O presente trabalho propõe uma denúncia de uma das formas contemporâneas de manifestação do chamado “marxismo cultural” – um conspiracionismo frequentemente instrumentalizado pela extrema-direita no processo de fascistização das massas – em meio a um cenário de crise estrutural do capitalismo e de escalada neofascista. Com base em uma experiência autoetnográfica realizada durante os encontros da Conservative Political Action Conference (CPAC), ocorridos em julho de 2024, espaço em que atores neofascistas se articularam para promover uma agenda ultraconservadora e ultraneoliberal, buscamos, com base na crítica marxista, analisar os efeitos e os sentidos atribuídos a esse conspiracionismo na dinâmica econômica, política e social nesta fase do capitalismo contemporâneo.
A crise estrutural do capitalismo, que assume contornos múltiplos — econômicos, ecológicos e geopolíticos —, tem exposto de forma cada vez mais aguda as contradições inerentes ao modo de produção vigente. Nesse cenário, o neofascismo desponta como um dispositivo político central para conter resistências e garantir a reprodução da ordem capitalista, sobretudo em países de capitalismo dependente, como o Brasil, onde sua emergência se dá de maneira particularmente violenta e articulada.
Mas não basta reconhecer a ascensão do neofascismo; é imprescindível compreender os mecanismos que garantem sua permanência e expansão entre as massas. Esse projeto neofascista não se sustenta apenas pela repressão direta ou pela violência institucional, mas sobretudo pela disputa cotidiana das percepções e sentidos de mundo. A extrema-direita, com habilidade estratégica, instrumentalizou narrativas conspiracionistas para seduzir setores da classe trabalhadora, oferecendo respostas simplistas e falsamente redentoras para problemas estruturais do capitalismo. Enquanto a esquerda organizada enfrenta dificuldades em interromper esse avanço, o neofascismo se infiltra por meio de discursos cuidadosamente moldados e amplificados em redes sociais e aplicativos de mensagens, transformando mentiras paranoicas em verdades consensuais para grande parte da população. Os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, quando extremistas bolsonaristas atacaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, não foram um desvio isolado ou fruto de mera “desinformação”: foram a materialização concreta de um projeto ideológico profundamente enraizado no imaginário social. Nesse contexto político, as teorias da conspiração operam não apenas como distorções da realidade, mas como organizadoras simbólicas de uma visão de mundo.
No contexto da atual ofensiva neofascista, a narrativa conspiracionista do chamado “marxismo cultural” se destaca como instrumento ideológico a serviço da burguesia em crise. Essa teoria atribui à esquerda e às instituições culturais um suposto projeto de destruição dos valores ocidentais, funcionando para deslegitimar as lutas sociais e justificar do ultraconservadorismo e do ultraneoliberalismo. Embora destituída de base factual, sua eficácia reside justamente na capacidade de mobilizar afetos e deslocar o descontentamento popular, convertendo-o em hostilidade contra intelectuais críticos e movimentos minimamente progressistas. Historicamente, o conceito atual é herdeiro direto do “bolchevismo cultural”, criado no pós-Primeira Guerra Mundial, na Alemanha Nazista. O nazismo instrumentalizou essa retórica para combater comunistas, judeus e intelectuais, operando uma guerra cultural que cumpria papel central na reorganização capitalista. Nas décadas seguintes, a extrema-direita estadunidense e, posteriormente, o conservadorismo brasileiro — especialmente sob a influência de Olavo de Carvalho e figuras como Eduardo Bolsonaro — resgataram e adaptaram esse discurso às dinâmicas da conjuntura contemporânea.
Uma das dimensões observadas durante os encontros da CPAC foi a "Guerra Espiritual", agindo como uma extensão estratégica do conceito do “marxismo cultural”, ampliando esse conspiracionismo e convertendo a religião a um instrumento da dominação de classe. Deputados e figuras públicas vinculadas à extrema-direita, como André Fernandes, Marcos Pollon, Ana Campagnolo e Eduardo Verástegui, têm reiteradamente difundido discursos que situam as disputas políticas e culturais contemporâneas como expressão de um conflito transcendente entre o bem e o mal, onde o comunismo — ou a esquerda em geral — seria a personificação do mal absoluto. A deputada Ana Campagnolo, inclusive, argumenta que o marxismo atravessa atualmente uma Nova Era, na qual a “guerra cultural” por si só não se mostra mais suficiente. O marxismo assume então características de uma verdadeira religião da esquerda. A construção do comunismo como uma entidade demoníaca ou satânica não apenas criminaliza o marxismo, mas também opera um deslocamento das contradições materiais presentes na sociedade capitalista, que se encontra em uma crise cíclica, para o plano de um confronto metafísico. Esse movimento acaba por esvaziar a luta de classes de seu conteúdo objetivamente material.
Ao apontar a emergência dessa nova dimensão discursiva no Brasil contemporâneo, o estudo contribui para o debate sobre os usos políticos da religião, a dinâmica de construção de inimigos internos e a persistência de narrativas conspiratórias na cultura e no pensamento social brasileiro.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!