Em 1922, poucos meses antes de seu falecimento, Afonso Henriques de Lima Barreto publicou seu último romance, Clara dos Anjos. Ambientada nos subúrbios cariocas do início do século XX, a obra narra uma história de sedução e abandono protagonizada por Clara dos Anjos, jovem negra de origem humilde, e Cassi Jones, rapaz branco, de classe média baixa e caráter duvidoso. Essa ilusória trama amorosa se desenrola em meio à denúncia das condições desumanas e insalubres vividas pela população marginalizada dos subúrbios, alijada dos anseios de progresso da incipiente ordem republicana. No romance, observa-se um dos traços mais característicos da literatura barretiana: por meio da descrição dos aspectos físicos e psicológicos, das relações pessoais e dos espaços sociais desses habitantes suburbanos, o narrador os apresenta como personagens que corporificam os dramas que acompanharam a própria trajetória de vida do autor (Barbosa, 2002; Bosi, 1982; Schwarcz, 2017; Sevcenko, 1999). Diante das múltiplas temáticas abordadas na obra, este artigo propõe-se a analisar as personagens secundárias masculinas e as condições de precariedade que assolam uma masculinidade não hegemônica, manifestada em figuras como Marramaque, Meneses e Leonardo Flores - personagens que expressam os dissabores de homens célebres ou íntegros, mas sufocados pela exclusão social, agravada pelo envelhecimento, pelo alcoolismo e pela loucura. A metodologia adotada neste trabalho inscreve-se na perspectiva histórico-sociológica da forma literária. Fundamenta-se, em primeiro lugar, na abordagem de Antônio Candido (2000), cuja crítica dialética compreende a obra literária como uma totalidade estruturada, em que os chamados “fatores externos” - notadamente os elementos sociais, históricos e culturais - não apenas incidem sobre o texto, mas são por ele reelaborados e integrados à sua organização interna, convertendo-se em matéria estética. Essa concepção permite identificar, na composição narrativa, a presença ativa das determinações sociais, não como reflexos mecânicos da realidade, mas como dimensões formalizadas que participam da construção do sentido. Em consonância com essa perspectiva, recorre-se também à leitura de Nicolau Sevcenko (1999), para quem a literatura, sobretudo nas margens da modernidade periférica brasileira, adquire o estatuto de missão intelectual e intervenção crítica no debate público. Complementarmente, mobiliza-se a análise de Alfredo Bosi (1982), que interpreta a obra de Lima Barreto como exemplar de um romance social, no qual a experiência individual do autor - marcada pela exclusão, pelo racismo e pela instabilidade psíquica - não apenas comparece na tessitura do enredo, mas articula-se de modo inseparável à denúncia das contradições sociais de seu tempo.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!