A expansão do Ensino à Distância (EaD) no Brasil, acelerada pela pandemia de Covid-19 é frequentemente celebrada como um marco na democratização do acesso à educação. No entanto, essa narrativa ignora as profundas desigualdades socioeconômicas e digitais que limitam a efetiva inclusão de grupos marginalizados (BUENO; SOARES, 2024). A tecnopolítica refere-se ao uso estratégico de tecnologias digitais – como redes sociais, algoritmos, big data e inteligência artificial – como instrumentos centrais para a ação política, governança e mobilização social no século XXI. Seguindo Silva e Penteado (2023), esse conceito surge da crescente interação entre tecnologia e poder, onde plataformas digitais não apenas mediam, mas também reconfiguram relações políticas, influenciando desde campanhas eleitorais até movimentos sociais. Por sua vez, a sociologia digital é um campo emergente que investiga como as tecnologias digitais – redes sociais, algoritmos, plataformas online e big data – transformam as relações sociais, as estruturas de poder e as dinâmicas culturais na contemporaneidade.
Nemer (2021) introduz o conceito de "tecnologias mundanas" – soluções digitais criadas por comunidades periféricas para superar barreiras impostas pela exclusão tecnológica. Essas práticas, muitas vezes invisibilizadas pelas políticas educacionais hegemônicas, revelam a agência de grupos marginalizados em adaptar ferramentas digitais às suas realidades. No contexto do EaD, a ausência de letramento digital, a precariedade no acesso à internet e a falta de dispositivos adequados configuram "gaps educacionais" que aprofundam a vulnerabilidade de discentes de baixa renda. A imposição de modelos tecnológicos sem diálogo com as necessidades locais reforça a colonialidade do saber, transformando a suposta democratização em mais um mecanismo de exclusão e opressão – em alusão ao texto clássico Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1994). Este artigo, ancorado na crítica das tecnopolíticas e na sociologia digital, problematiza a expansão do EaD a partir da obra de Nemer e dos fundamentos freireanos, destacando como as estruturas educacionais reproduzem hierarquias existentes quando desconsideram o contexto material e cultural dos estudantes.
Dias et al. (2024) discutem a integração da Inteligência Artificial (IA) em universidades inteligentes, com foco nas soluções tecnológicas que podem ampliar a interação entre os atores da comunidade universitária e gerar processos de aprendizagem mais dinâmicos e participativos, mas não trata das contradições da inserção de ferramentas de inteligência artificial para populações periféricas. Este texto avança nessa lacuna, questionando: como o EaD pode ser reorientado para valorizar as tecnologias mundanas e superar a lógica instrumentalista que privilegia a eficiência em detrimento da equidade?
Neste cenário, torna-se fundamental considerar os aportes da sociologia digital, que permite compreender como as tecnologias não apenas mediam as relações de ensino-aprendizagem, mas, por vezes, são treinadas à reproduzirem estruturas sociais desiguais. O EaD, ao ser implementado sem considerar tais mediações, pode reforçar práticas de controle e vigilância sobre os estudantes, além de desresponsabilizar o Estado quanto à oferta de condições adequadas para a aprendizagem Sob essa perspectiva, compreendemos o EaD como uma prática tecnopolítica: isto é, como um campo de disputas em que decisões técnicas e infraestruturais carregam implicações profundamente políticas. A ausência de políticas públicas voltadas à formação crítica dos discentes em tecnologias digitais e que estimulem a criatividade, bem como a precarização do suporte técnico-pedagógico, expõe os limites de uma expansão que ignora as desigualdades estruturais em cenários como o brasileiro, onde as armadilhas de subdesenvolvimento limitam a emancipação social e a mobilidade social (FURTADO, 1992). Reafirmando a centralidade do pensamento freiriano, argumentamos que uma política educacional comprometida com a equidade precisa reconhecer os saberes locais, promover o diálogo entre os sujeitos e garantir condições materiais que tornem possível o direito à educação.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!