Nos anos 1980 e 1990 uma peça publicitária tornou-se parte do imaginário brasileiro, a referida peça versava sobre se um determinado biscoito vendia mais porque era fresquinho ou se ele era fresquinho porque vendia mais. Era, portanto, o dilema do biscoito. O dilema entrou no cotidiano das gerações que viveram os anos 1980 e 1990. O referido dilema aborda a discussão se a situação A produz a situação B ou o inverso. Não se adentrará aqui, por óbvio, na pauta acerca das qualidades ou falta de qualidades do biscoito se ele era ou não bom, fresquinho se vendia mais ou não. Entretanto, se a situação A produz a B ou inverso interessa em muito aqui.
Cerca de cento e vinte anos antes da peça publicitária que instalou o dilema do biscoito, mais precisamente na data de 14 de março de 1864 em sessão da Câmara de Deputados do Império do Brasil, sob o Gabinete de Zacarias de Góes e Vasconcellos, o 15.º Gabinete do Império do Brasil, o Ministério da Liga Progressista, o deputado pela Província da Bahia, José Antonio Saraiva argumentou de modo bastante instigante acerca da questão se A produz B ou o inverso. Em um longo discurso sobre a situação da Marinha de Guerra, Saraiva solicitava com veemência investimentos na Marinha de Guerra, em seu entendimento havia necessidade urgente de aprimorar tanto equipamentos quanto métodos e pessoas da instituição. O deputado sustentava em prol de sua proposta que a situação no Rio da Prata, que desde 1857-58, mostrava-se tensa, caminhava para um conflito armado. Em novembro de 1864 tem início a Guerra do Paraguai. Saraiva no referido discurso profere uma metáfora importante acerca da forma como ele via a política: “O navio é que faz o oficial, senhores, e isso não é uma verdade nova, porém muito cediça desde remotos tempos”. A metáfora utilizada indica as instituições moldando as pessoas. Em se aprimorando as instituições consequentemente se daria o aperfeiçoamento das pessoas. E essa premissa valeria para a vida política. Uma postura, em grande medida, institucionalista. O argumento de Saraiva faz lembrar o dilema do biscoito, todavia diferentemente da peça publicitária o deputado indica qual situação tem primazia e molda a outra.
Cerca de cento e cinquenta depois do pronunciamento do deputado Saraiva e aproximadamente trinta anos depois do lançamento da peça publicitária contendo o dilema do biscoito, Lilia Katri Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling publicam Brasil, uma biografia, em 2015. Três depois em 2018 esta obra recebe um pós-escrito. Em 2019 Lilia Schwarcz publica a obra Sobre o autoritarismo brasileiro. Estas obras, segundo algumas críticas, apresentam a vida política no Brasil como resultado de uma determinada cultura. Cultura esta que molda as pessoas e as instituições. Uma visão inversa àquela exposta no século XIX por José Antonio Saraiva, ter-se-ia, portanto, uma postura, culturalista. E novamente é possível recordar do dilema do biscoito.
Com efeito, o dilema do biscoito contraposto ao discurso de José Antonio Saraiva e algumas críticas aos textos de Schwarcz serviram de ponto de partida para se lançar uma indagação à obra da autora: a política molda a cultura, a cultura molda a política ou nada disso? Tomando em conta que as obras de Schwarcz, de Schwarcz e Starling circularam e circulam muito na contemporaneidade, não parecer ser descabido propor que a interpretação das autoras acerca da vida política brasileira age, de alguma forma, sobre outras interpretações vigentes da temática. E em assim sendo mostra-se relevante investigar se nas referidas e obras, em especial, e em outros textos de Lilia Schwarcz emerge de fato existe uma perspectiva culturalista da política. Em se localizando tal abordagem da vida política caberia verificar e discutir como tal perspectiva estaria estruturada. E com isso discutir se política molda a cultura, a cultura molda a política ou nada disso em primeiros estudos sobre como Lilia Schwarcz aborda a política no Brasil.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!