O Partido Social Democrático e a comissão de criação da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa (1948-1950)

  • Autor
  • Isabele Fogaça de Almeida
  • Resumo
  •  

    O caminho do ensino superior em Ponta Grossa (PR) iniciou em 1937, com a instalação da Escola de Farmácia e Odontologia de Ponta Grossa. Essa instituição funcionou no prédio do Ginásio Regente Feijó, frente à Praça Barão do Rio Branco (onde é até hoje); e no seu segundo ano de atuação, com os cursos de Farmácia e Odontologia, contava com aproximadamente 50 alunos (O Dia, 1938).

    Precocemente, antes mesmo da formatura da primeira turma, a Escola foi fechada por questões estruturais, pois não contava com instalações adequadas. Vieira e Campos (2012, p. 26) mencionam que no Paraná era comum que se tivesse limitações financeiras no ensino superior; e dessa característica decorriam consequências, como problemas com as estruturas físicas. Outra questão era que a Escola de Farmácia e Odontologia de Ponta Grossa não contava com integrantes do corpo docente e discente com a formação exigida para estarem nessas atribuições. Esses elementos fizeram com que ela não fosse reconhecida pelo Conselho Nacional de Ensino (CNE), e então fechada em 1939.

    Ainda assim, a discussão sobre a necessidade de Ponta Grossa ter uma instituição de ensino superior não foi encerrada e se intensificou no final da década de 1940. Em 1948 foi formada uma comissão para projetar uma Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras em Ponta Grossa, composta por cinco integrantes, a saber: Lourival Santos Lima (1914-1988), Faris Salomão Michaele (1911-1977), José Pinto Rosas (1902-1980), Mario Lima Santos (1905-1972) e Valdevino Lopes (1913-1988). Para compreender a aproximação entre esses indivíduos, foi utilizado o método prosopográfico; segundo Stone (2011, p. 115) “a prosopografia é a investigação das características comuns do passado de um grupo de atores na história através do estudo coletivo de suas vidas”. Essa abordagem serviu como um recurso para a compreensão dos integrantes enquanto parte de estruturas que estiveram inseridos; consideramos que essa estrutura não pode ser compreendida se as redes móveis de sociabilidade que ligam reciprocamente o grupo, não sejam pensadas.

    Nesse sentido, os conceitos desenvolvidos por Norbert Elias de figuração e interdependência são importantes. Elias (2001) compreende que existe uma relação de interdependência entre a sociedade e o indivíduo. Uma figuração, então, é uma formação social em que indivíduos se ligam de formas específicas, por meio de dependências que são recíprocas. Cada figuração possui características que lhes são próprias, que foram socialmente construídas no decorrer do tempo, e que são dinâmicas.

    Dentro de cada figuração há relações de interdependência que são móveis, e variam em cada sociedade, com as suas diferentes formas de auto-regulação que atribuem determinadas “roupagens” aos indivíduos; de forma que o modo como esses se comportam, é determinado pelas relações estabelecidas com as outras pessoas (Elias, 1994). Dessa maneira, consideramos a comissão como uma pequena figuração de indivíduos que tinham relações de interdependência e que objetivaram criar a Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa.

    Uma característica comum a todos os integrantes da comissão era a de trabalharem como professores no Colégio Regente Feijó, instituição pioneira de ensino secundário no interior do estado do Paraná, criada em 1927. Além de espaço de trabalho, o Colégio Regente Feijó também foi um espaço de formação de alguns dos integrantes da comissão, é o caso Valdevino Lopes, que estudou no Regente Feijó, se formou na Escola Normal e depois voltou para trabalhar como professor de Geografia Geral e do Brasil. E também de Faris Michaele, que se formou na turma de 1931, foi para Curitiba estudar Direito na Faculdade de Direito do Paraná e voltou a lecionar no Regente em 1937, até a sua aposentadoria em 1967 (Guebert, 2018).

                Norbert Elias (1995, p. 19) compreende que nós, envolvidos por uma sociedade, em algumas situações somos capazes de fazer coisas enquanto indivíduos, e outras que não, independente da nossa força, singularidade ou grandeza. Os professores por si só, sem a participação na política e a autorização do Estado, não teriam a possibilidade de criar a Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa. Dessa maneira, a participação dos professores no Partido Social Democrático (PSD) foi primordial.

    O PSD foi um partido político brasileiro fundado em 1945, após o Estado Novo (1937-1945), fase da Era Vargas  que teve como principal característica o caráter ditatorial. Pós Estado Novo, os partidos foram mecanismos necessários para se chegar ao poder, e gravitaram em torno da figura de Getúlio Vargas (Costa, 2019, p. 250) – no geral, os que apoiavam Getúlio Vargas se organizaram no PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e os que eram contra Vargas integraram a União Democrática Nacional (UDN). Dessa maneira, após a redemocratização de 1945, o PSD funcionou como um herdeiro do Estado Novo, com conotação democrática. Na reabertura política, o Partido buscou conservar os atores políticos egressos do Regime Varguista, e teve bons resultados, “foi um dos partidos que mais ocupou espaços nas esferas do poder” (Oliveira, 2008, p.1).

    No Paraná o PSD teve bastante representatividade política, e no período em que foi criada a comissão para fundar a FEFCL-PG, era o partido em situação na federação, com Eurico Gaspar Dutra, e também no governo do estado com Moysés Lupion. A vida política de Moysés Lupion iniciou quando se aproximou de Manoel Ribas, o interventor nomeado por Getúlio Vargas no Paraná, no período do Estado Novo. Lupion se filiou ao PSD em 1946, mesmo ano em que arrendou o jornal O Dia. Esse jornal se tornou, a partir de então, um veículo oficial de propaganda política do Lupion, até 1961, ano em que o jornal foi fechado (Batistella, 2018, p. 41).

    Lupion foi empresário no ramo agrícola e madeireiro; e para eleição de 1947, da qual se candidatou a governador do estado do Paraná, passou a atuar efetivamente também com o ramo da comunicação, área estratégica dentro da política pela capacidade de influenciar a opinião pública. Além do Jornal o Dia, adquiriu os jornais Gazeta do Povo, Correio do Paraná e a Rádio Guairacá (Dionizio; Mota; Denez, 2021).

    Essas aquisições foram determinantes para que em 1947 Lupion fosse eleito governador, vencendo Bento Munhoz da Rocha Netto, seu maior concorrente. A proximidade entre Manoel Ribas e Moysés Lupion, mesmo que indiretamente, demonstra à relação entre as heranças políticas do Estado Novo e o PSD, e os bons resultados que essa relação poderia propiciar. A vitória do PSD também se estendeu à Assembleia Legislativa do Paraná, elegendo dezesseis deputados à medida que a UDN elegeu sete, o PTB seis, o PR quatro, o PRP dois, o PSP um e o PCB um (Ipardes, 1989, p. 122). Esse panorama era favorável para Lupion.

                Para criação da primeira faculdade estadual do Paraná, e primeira do interior do estado, em Ponta Grossa, obviamente foi necessária a comunicação dos professores da comissão com o governo estadual. Em 1950 teriam novas eleições e o PSD pretendia continuar no governo do Paraná. A criação de uma Faculdade poderia ser vista como positiva para o partido, e também poderia ser um espaço favorável para a circulação de ideias políticas que fossem convenientes ao PSD, especialmente em período eleitoral.

    Com exceção de José Pinto Rosas, que pode ter estado na comissão pela sua experiência anterior, na criação da Escola de Farmácia e Odontologia e enquanto último diretor quando a instituição foi fechada; todos os outros membros eram filiados ao PSD. Diversos textos da imprensa indicam que a criação da Faculdade perpassava as discussões do PSD local, e que esse partido foi fundamental para a concretização do objetivo; como na notícia publicada no jornal O Dia, intitulada Reuniu-se o PSD local:

    Sob a presidência do snr. Abílio Holzmann, presidente do PSD local, esteve reunida, terça-feira última, a comissão executiva do grêmio majoritário, com a presença de todos os seus diretores, sendo, durante a mesma reunião, ventilados vários assuntos de interêsse geral e do partido. Entre estes, figura a designação da comissão destinada a entender-se com o Governo do Estado, no sentido da criação de uma Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras em Ponta Grossa, conforme o movimento processado em nossos meios estudantis, nessa comissão figuram os nomes dos Drs. Mário Lima Santos, Faris Antônio Michaele e Prof. Valdevino Lopes, que aceitaram a nobre incumbência e para tal serão credenciados perante os altos poderes estaduais. [...]. (O Dia, 1949)

                Em um artigo publicado posteriormente no jornal Diário dos Campos, em 26 de agosto de 1973, Faris Michaele escreve sobre a importância do apoio dos pessedistas Flávio Carvalho Guimarães, que era senador no momento de criação da Faculdade, e Lauro Lopes, que era deputado federal:

    Foi pois, graças a ele, ao dr. Lauro Lopes [deputado federal paranaense] e outros mais que, em 1950, em reunião com o professorado da terra, se processou a criação da nossa célula-mater da atual Universidade. Mas, para que isso se realizasse, quanta celeuma e quanta suadeira! O mínimo que se exigiu foi que os representantes do magistério passassem a fazer parte do Diretório local do Partido situacionista (Diário dos Campos, 1973).

                Assim, podemos notar que a possibilidade de criação da FEFCL-PG estava bastante ligada a estratégias políticas e ao PSD. Dos quatro integrantes da comissão filiados ao PSD, todos, exceto Faris Michaele, já eram filiados antes de 1949. Dos outros três integrantes da comissão já filiados, dois ocupavam cargos no partido local em 1949, Mário Lima Santos era do departamento jurídico, e Lourival Santos Lima era do departamento de propaganda.

                As adesões de Mário Lima Santos e Lourival Santos Lima ao PSD em período próximo ao projeto de criação da FEFCL-PG foram criticadas pelo Diário da Tarde (jornal de Curitiba que fazia oposição a Moysés Lupion) de 17 de abril de 1950: “[...] agora, com os projetos de instalação da Escola de Filosofia em Ponta Grossa, estamos esperando outro grande discurso do já famoso advogado adesista” em alusão a Mário Lima Santos, que teria interesses pessoais “[...] afim de não perder a cadeira da nova escola e poder continuar lecionando na Escola Normal, Academia de Comercio, e também de Consultor Jurídico da Prefeitura” (Diário da Tarde, 1950).

                Na sequência, a notícia aborda: “Outro caso interessante que se passa aqui, é o do não menos celebre advogado, adesista, Dr. Lourival Santos Lima apos escrever uns 200 artigos de louvaminhas ao Governo” (Diário da Tarde, 1950) se referindo ao que Lourival Santos Lima escrevia no jornal O Dia, que era curitibano mas Lima  era o diretor da sucursal de Ponta Grossa, e teve uma coluna chamada “Notícias sobre os Campos Gerais”, que entre as publicações, muitas enalteciam a figura de Moysés Lupion.

                Observando as características da comissão e da sociedade em que estava inserida, percebemos que os integrantes não formaram um grupo aleatoriamente, eles se entrelaçavam numa estrutura social que poderia fazê-los capaz de influenciar a população e o governo a respeito do ensino superior em Ponta Grossa. Mulheres, negros, pessoas sem formação escolar formal e/ou com poucos recursos econômicos poderiam querer que existisse ensino superior em Ponta Grossa, e falar sobre isso. Mas até que ponto essas falas encontrariam ressonância na sociedade a ponto de chegarem até as instâncias governamentais e serem atendidas?

                A posição que a comissão ocupava dentro da estrutura social e política relacionada ao PSD contribuía para o caráter autorizado em suas falas, a validação dos pares e a legitimação da criação da FFCL-PG; esses indivíduos mobilizaram recursos para conseguirem exercer poder no espaço social, definindo e valorizando uma visão de mundo em que Ponta Grossa precisava ter uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que foi o que efetivamente aconteceu posteriormente - no dia 8 de novembro de 1949 com o Decreto n. 8837 Moysés Lupion autorizou a criação de uma Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras em Ponta Grossa, e na sequência veio a oficialização pelo Decreto Federal nº 28.1691º de junho de 1950; de forma que a relação entre a comissão e o Partido Social Democrático foi fundamental nesse processo.

     

    Referências

    BATISTELLA, A. A campanha oposicionista ao governador paranaense Bento Munhoz da Rocha Neto (1951-1955) por meio da caricatura política. Revista de História Regional, v. 23, n. 1, 2018. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/rhr/article/view/10902/209209210097. Acesso em: 15 jan. 2024.

    COSTA, R. N. Eleições vencem em campanhas? Uma análise da organização político-partidária do Rio de janeiro através das disputas eleitorais, da propaganda política e da trajetória do PSD-RJ (1945-1958). 2019. 264f. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2019. Disponível em: file:///C:/Users/55429/Downloads/Rafael%20Navarro%20Costa.pdf. Acesso 20 out. 2023.

    DIÁRIO DA TARDE. Curitiba, 1950.

    DIÁRIO DOS CAMPOS. Ponta Grossa, 1973.

    DIONIZIO, L. A.; MOTA, F. L.; DENEZ, C. C. A cartografia do voto nas eleições paranaenses: uma análise acerca da eleição de 1955. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA, 14., 2021. Anais [...] Campina Grande: Realize Editora, 2021.

    ELIAS, N. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

    ELIAS, N. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

    ELIAS, N. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Tradução de Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

    GUEBERT, C. A. Da intelectualidade princesina, o coração do Brasil: trajetória, sociabilidades cívico-letradas e a plasticidade do sertão imaginado no círculo euclidiano (Paraná, meados do século XX). 2018. 300 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.

    IPARDES. Resultados eleitorais: Paraná (1945-1982). Curitiba: IPARDES, 1989.

    O DIA. Curitiba, 1938-1949.

    OLIVEIRA, L. M. de. O PSD no Rio Grande do Sul: o diretório mais dissidente do país nas “páginas” do Diário de Notícias. Porto Alegre: PUC-RS, 2008.

    STONE, L. Prosopografia. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 19, n. 39, p. 115-137, 2011.

    VIEIRA, C. E.; CAMPOS, N. de. Intelectuais e o processo de formação da Universidade Federal do Paraná (1912-1950). In: LEITE, R. L.; OLIVEIRA, R. C. (Org.). Reflexões: UFPR 100 anos (1912-2012). Curitiba: Editora UFPR, 2012. p. 15-46.

  • Palavras-chave
  • Partido Social Democrático; Ensino Superior; Comissão de criação da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa.
  • Área Temática
  • GT3 - Elites, poder e instituições democráticas
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O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!

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