A hipervulnerabilidade de crianças e adolescentes frente às influências tecnológicas na era digital

  • Autor
  • Júlia Natália Nunes Santinho
  • Co-autores
  • Ana Claudia Nunes dos Santos Silva , Felipe Lazzari da Silveira
  • Resumo
  • INTRODUÇÃO

    A chamada Web 2.0 é considerada o marco da comunicação tecnológica interpessoal, isso porque, foi a partir do seu desenvolvimento que plataformas comunicacionais puderam ser criadas e disponibilizadas para o público. Essa relação, baseada em uma lógica algorítmica, acelerou o compartilhamento de informações entre os seres humanos e desenvolveu a utopia de uma democracia digital.  

    A comunicação e a difusão de ideais diversos se espalhou através das massas populacionais por meio de uma propagação veloz e direcionada, estimulando a exploração dos interesses desses indivíduos, uma vez que, dentro da lógica digital, a visualização e consumo pelos conteúdos expostos se tornou uma fonte rentável e passível de exploração. 

    Em meio a essa realidade onde a exploração da atenção do indivíduo é capturada e explorada ao seu máximo, existem nichos sociais de extrema vulnerabilidade que sofrem com os impactos dessa manipulação desmedida e predatória. Segundo levantamento do Centro Regional para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, ano de 2024, 95% dos indivíduos brasileiro com idade entre 9 a 17 anos, possuem acesso a internet (CETIC.BR, 2023).

      Essa porcentagem da população, com acesso facilitado e, em grande parte, irrestrito as plataformas digitais, se torna um alvo fácil frente a necessidade de obtenção de lucro, de modo que a exposição de conteúdos nocivos ao desenvolvimento desses futuros cidadãos, que passam a observar o mundo sob as lentes de aumento da internet.

     

    PALAVRAS-CHAVE

    Hipervulnerabilidade; publicidade; meio digital.

     

    METODOLOGIA 

    O presente estudo utiliza o método qualitativo, fundamentando-se principalmente na pesquisa bibliográfica. Possui caráter básico, limitando-se à apresentação e interpretação dos textos bibliográficos utilizados, além disso, utiliza-se  dispositivos legais, artigos científicos e textos doutrinários, empregando o raciocínio dedutivo. Assim, os objetivos do trabalho são descritivos e exploratórios.

     

    DESENVOLVIMENTO 

    Ainda em meados dos anos 1990, se desenvolvia o embrião daquilo que se conhece hoje em dia como a rede mundial de computadores. Esse sistema, que inicialmente possuía finalidades específicas, foi logo introduzida no cotidiano da população e potencializada no início do século XXI com o desenvolvimento de plataformas de comunicação direcionada entre indivíduos. 

    Não apenas as plataformas de comunicação, mas também toda a estrutura desse novo mundo digitalizado, é composta por bases algorítmicas. Conforme apontado por Gillespie (2014), os algoritmos podem ser compreendidos como uma série de instruções disponibilizadas a uma máquina, para que resolva problemas anteriormente definidos, de modo que para cada situação, existe uma resposta lógica. Dentro dessa lógica, os caminhos apresentados aos usuários são previamente estabelecidos de acordo com os gostos e interesses de cada usuário, e a partir disso, nos alocam em espaços, como chamados por Pariser (2011), de bolhas informacionais, para que aqueles que pactuam com os mesmos valores, permaneçam na mesma bolha. 

    O resultado da permanência de pessoas com pensamentos semelhantes nos mesmos espaços, possibilitou que a venda de produtos fosse potencializada, uma vez que a visualização das preferências dos usuários se tornaram mais nítidas e direcionadas. No entanto, para além da venda de produtos, a difusão de ideias nesses espaços também se potencializou, isso porque se compreendeu que, quando os indivíduos recebem informações de pessoas pertencentes a essas bolhas, a credibilidade das informações não é posta à prova, se tornando uma verdade universal. 

    Nesse contexto, a manipulação dos indivíduos para se atingir uma finalidade específica é clara e sua utilização ocorre com pessoas de todas as idades, inclusive entre crianças e adolescentes, objeto de estudo deste trabalho. Estes, justamente pela sua idade, são considerados mais vulneráveis.

     

    HIPERVULNERABILIDADE E PROBLEMAS GERADOS PELA PUBLICIDADE ONLINE

    Inicialmente é necessário entender que a vulnerabilidade do consumidor está prevista no Código de Defesa do Consumidor, para que seja possível estabelecer uma relação de igualdade entre os fornecedores e os consumidores. Este termo, no entanto, não é suficiente para a proteção de todos os consumidores da sociedade contemporânea, uma vez que alguns grupos se tornam duplamente vulneráveis pela sua idade, capacidade técnica ou vulnerabilidade econômica, estes são denominados hipervulneráveis (Azevedo, 2019). As crianças e adolescentes, justamente pela sua tenra idade, pertencem ao segundo grupo.

    Conforme mencionado, há uma alta tendência de manipulação para os indivíduos por meio do algoritmo e isso se acentua quando o direcionamento publicitário atinge o público infantojuvenil, visto que estes estão em posição de maior vulnerabilidade, especialmente considerando a evolução tecnológica das últimas décadas (Horn, Kalil, 2021).

    É de suma importância observar que as crianças e adolescentes têm grande influência nas decisões de consumo familiar, porque a partir da publicidade direcionada a este grupo, o núcleo familiar passa a ser tratado como uma “coletividade hipervulnerável”. Pode-se justificar a influência desse grupo nas relações de consumo das famílias através de alguns vieses, dentre eles: o técnico e o econômico, isto é, há dificuldade em controlar o que o infante acessa e há possibilidade de que este contribua significativamente para o superendividamento familiar (Azevedo, 2019). 

    A sociedade contemporânea se desenvolveu com uma característica peculiar: a quebra dos elos geracionais, isso pode justificar a influência da criança sobre o consumo de produtos no núcleo familiar, ou seja, os pais têm utilizado cada vez mais do consumo para estabelecer vínculos com os filhos e se aproximar emocionalmente destes, especialmente considerando a alta carga de trabalho e a necessidade de satisfazer os desejos infantis quando há tempo entre pais e filhos. Além disso, é importante observar que cada vez mais os ambientes de consumo têm se transformado em ambientes de lazer (Azevedo, 2018). A partir dessa análise, há de se observar que quando a publicidade e a influência digital é direcionada ao público infantil, automaticamente o núcleo familiar como um todo é atingido.

    Nesse contexto, a internet amplifica essa influência, funcionando como um grande veículo de publicidade direcionada ao público infantil justamente porque é considerada a nova mídia de massas que utiliza das interações para alimentar a rede de dados e consequentemente, tornando as publicidades mais atrativas para cada tipo de consumidor (Horn; Kalil, 2021). 

    Em pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) que trata sobre o acesso à internet para crianças e adolescentes, notou-se que no ano de 2023, 24% das crianças começaram a se conectar à internet ainda na primeira infância, antes dos 6 anos de idade, esse número se torna ainda mais chocante quando aplicado à faixa etária entre 9 e 17 anos, atingindo 95% (cerca de 25 milhões de pessoas). Nesta mesma pesquisa, outro dado se torna relevante: o contato com a publicidade online. Restou demonstrado que 59% dos infantes e adolescentes assistiram a vídeos de pessoas ensinando a abrir embalagens ou produtos, ou seja, nem sempre tais publicidades são reconhecidas como tal (CETIC.BR, 2023).

    Como um grupo hipervulnerável, muitas vezes as crianças e adolescentes recebem as publicidades de forma passiva, isto é, não há desenvolvimento de senso crítico, tampouco noção do aparato utilizado pelos publicitários para despertar o desejo de consumir (Horn; Kalil, 2021).

     

    CONCLUSÃO 

    A comunicação interpessoal através de plataformas algorítmicas foi revolucionada pela Web 2.0, que ficou mais forte na sociedade contemporânea, marcada pela quebra entre os vínculos geracionais e pela substituição de afeto por consumo. Trata-se da disseminação de informações e exploração econômica dos indivíduos por meio de publicidade direcionada pelo algoritmo.

    Neste contexto, nota-se que o público infantojuvenil tem acesso à internet cada vez mais cedo e se consolida como um grupo de consumo hipervulnerável, bombardeado por publicidades e sem capacidade de discernimento para se proteger, especialmente considerando sua imaturidade emocional e cognitiva. 

    Salienta-se que este público possui uma alta influência sobre seu núcleo familiar, tornando-os hipervulneráveis também, com enfrentamento de desafios técnicos e econômicos. Essa lógica é ainda mais fortalecida através das bolhas informacionais, que amplificam a eficácia da publicidade direcionada ao público jovem, especialmente levando em consideração que por diversas vezes essa publicidade se manifesta disfarçadamente, como, por exemplo, em vídeos desembalando objetos. 

    Isto posto, é de suma importância que o ordenamento jurídico, com base em normas constitucionais e no Código de Defesa do Consumidor, continue protegendo as crianças, os adolescentes e o núcleo familiar contra os abusos do mercado judicial.

     

    REFERÊNCIAS 

    AZEVEDO, Fernando Costa de. O núcleo familiar como coletividade hipervulnerável e a necessidade de sua proteção contra os abusos da publicidade dirigida ao público infantil. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 123, p. 17-35, maio/jun. 2019. Disponível em: https://www.oasisbr.ibict.br/vufind/Record/STJ-1_e140df1f28088bce9704dab54877f336. Acesso em: 18 abr. 2025.

    AZEVEDO, Fernando Costa de. Sociedade do hiperconsumo e proteção jurídica do núcleo familiar quanto à publicidade e consumo de produtos e serviços direcionados ao público infantil. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas, 2018. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/imagensdajustica/files/2018/05/SOCIEDADE-DO-HIPERCONSUMO-E-PROTE%C3%87%C3%83O-JUR%C3%8DDICA-DO-N%C3%9ACLEO-FAMILIAR-QUANTO-%C3%80-PUBLICIDADE-E-CONSUMO-DE-PRODUTOS-E-SERVI%C3%87OS-DIRECIONADOS-AO-P%C3%9ABLICO-INFANTIL.pdf. Acesso em: 22 abr. 2025.

    Centro Regional para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. TIC Kids Online Brasil 2024. Crianças e adolescentes. 2024. Disponível em https://cetic.br/pt/tics/kidsonline/2024/criancas/. Acesso em: 10 abr. 2025.

    DEL RIO HORN, Luiz Fernando; BORGES KALIL, Agnes. A publicidade no meio virtual e seu acesso aos consumidores hipervulneráveis: crianças e adolescentes. Revista de Doutrina Jurídica, Brasília, DF, v. 112, n. 00, p. e021001, 2021. DOI: 10.22477/rdj.v112i00.533. Disponível em: https://revistajuridica.tjdft.jus.br/index.php/rdj/article/view/533. Acesso em: 23 abr. 2025. 

    GILLESPIE, Tarleton. The politics of 'platforms'. New Media & Society. v. 12, n. 3, p. 347-364, 2010.

    PARISER, Eli. The filter bubble: What the Internet is hiding from you. Londres: Penguin UK, 2011.

  • Palavras-chave
  • Hipervulnerabilidade; publicidade; meio digital.
  • Área Temática
  • GT14 - Tecnopolíticas e Sociologia Digital
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