Vida nos Muros: traços e vestígios da domesticação da arte

  • Autor
  • Rafaella Barqueiro Domingues
  • Co-autores
  • Zuleika de Paula Bueno
  • Resumo
  •  

    A arte urbana, em sua multiplicidade de formas, transforma a cidade em um território de criação, interação e disputa simbólica. Ao ocupar os espaços urbanos, essa prática artística rompe com a lógica institucional da fruição estética tradicional, convidando o público à (con)vivência cotidiana com a obra e instaurando um diálogo direto com os modos de vida de coletivos urbanos. O presente trabalho, ainda em desenvolvimento, propõe uma análise das relações entre cidade, arte urbana e sujeitos, tomando como eixo teórico o modelo dos circuitos de cultura formulado por Stuart Hall (1932–2014), que permite compreender a produção cultural como um processo articulado entre representação, identidade, produção, consumo e regulação. O objeto empírico central da investigação é o festival de graffiti Vida nos Muros, promovido pela Prefeitura de Maringá (PR) em 2022 e 2023.

    A proposta parte da compreensão da cidade como um espaço vivo, atravessado por disputas de sentido, onde o urbano não se limita a ser suporte físico da arte, mas agente ativo na produção de significações. A arte urbana, nesse cenário, assume um papel de mediação simbólica, articulando histórias locais, memórias coletivas, conflitos sociais e estéticas periféricas. Como observam Hall (2006; 2016) e Barja (2008), a intervenção urbana é também uma forma de interação – ela tensiona os limites da arte e da política, convocando o espectador a uma escuta sensível do espaço e de suas camadas sociais.

    Nesse sentido, as reflexões de Hans Belting contribuem ao situar a arte para além do objeto e do museu. Para o autor, “a arte não existe por si só, mas apenas em contextos culturais específicos que lhe dão significado” (Belting, 2011, p. 38). A arte urbana exemplifica essa ideia ao se constituir em um campo expandido de produção de imagens e sentidos, fora dos espaços institucionais tradicionais. Belting destaca que a imagem “vive no corpo e no espaço social, onde se torna experiência” (Belting, 2005, p. 25), o que nos permite pensar a fruição da arte urbana como uma vivência incorporada, marcada pelas trajetórias e afetos que os sujeitos estabelecem com o lugar.

    O graffiti, enquanto linguagem recorrente nas intervenções do festival Vida nos Muros, expressa essas dimensões com intensidade. Se historicamente associado a práticas marginais ou transgressoras, o graffiti, nesse contexto, ganha contornos de legitimidade institucional ao ser incorporado por políticas públicas culturais. Contudo, esse movimento de institucionalização não é isento de conflitos. Ainda que o festival tenha promovido oficinas em escolas, atividades educativas e encontros entre artistas de diferentes partes do Brasil e da América Latina, reportagens locais também evidenciaram tensões quanto à preservação das obras e à autonomia dos artistas, com críticas à remoção de murais feita sem diálogo com os artistas ou com o Conselho de Cultura da cidade de Maringá/PR.

    A análise documental do material jornalístico e das ações realizadas pelo festival permite observar como os cinco momentos do circuito de cultura operam na dinâmica da arte urbana em Maringá: a produção, marcada pela diversidade de artistas e suas linguagens; o consumo, que se dá de maneira cotidiana pelos moradores e transeuntes; a regulação, evidenciada nas políticas de incentivo, mas também nas ações de controle. encobrimento e remoção dos trabalhos; a representação, por meio das narrativas visuais que ocupam os muros; e a identidade, construída coletivamente em diálogo com o território.

    Nesse processo, a arte urbana ressignifica espaços e discursos, atua como ferramenta de visibilidade para grupos subalternizados e insere novas camadas de leitura sobre o urbano. Ao mesmo tempo, ao ser absorvida por circuitos oficiais, corre o risco de ser domesticada, perdendo parte de sua potência contestadora. Essa tensão entre resistência e assimilação institucional é um dos pontos centrais da pesquisa, que busca refletir sobre os limites e as possibilidades da arte urbana enquanto forma de ação cultural situada.

    A cidade, nesse sentido, é tanto palco quanto personagem: ela acolhe, regula, devolve e transforma o que nela é inscrito. Por meio da apropriação artística do espaço, o urbano se converte em campo expandido de criação estética e política. A arte urbana, ao intervir nesse espaço preexistente, não apenas reconfigura suas superfícies visíveis, mas desvela as camadas invisíveis das relações sociais, propondo outras formas de olhar, habitar e imaginar a cidade.

     

  • Palavras-chave
  • Arte urbana; Circuitos de cultura; Disputas simbólicas; Sociologia da arte.
  • Área Temática
  • GT2 - Cinema e Quadrinhos como categorias de análise acerca do Pensamento Social Brasileiro
Voltar

O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!

  • GT1 - Brasil: encruzilhadas na defesa da democracia
  • GT2 - Cinema e Quadrinhos como categorias de análise acerca do Pensamento Social Brasileiro
  • GT3 - Elites, poder e instituições democráticas
  • GT4 - Estabelecidos e Outsiders do Pensamento Social Brasileiro
  • GT5 - Estudos em música popular e sociedade no Brasil: teoria, método e análises
  • GT6 - Identidades nacionais, a tradição de Pensamento Social Brasileiro e seus críticos
  • GT7 - Indisciplinando o cânone: diálogos, legados e resistências a partir do pensamento afrodiaspórico brasileiro para a compreensão da(s) realidade(s)
  • GT8 - Movimentos sociais, protestos e participação na democracia brasileira contemporânea: perspectivas teóricas e metodológicas
  • GT9 - Pensamento Social Brasileiro e Historiografia: problemas, aproximações, possibilidades
  • GT10 - Pensamento Social Brasileiro nos currículos da educação básica e superior
  • GT11 - Políticas de Ações Afirmativas e o Pensamento Social Brasileiro Contemporâneo
  • GT12 - Raízes intelectuais das novas direitas latino-americanas
  • GT13 - Retomando o Pensamento Social Afro-Brasileiro: Por que agora Crítica dos intelectuais negros ao seu lugar no pensamento brasileiro
  • GT14 - Tecnopolíticas e Sociologia Digital
  • GT15 - Temas, argumentos e arenas na construção das narrativas da Nova Direita
  • GT 16 – Apresentações Coordenadas.