Sob a luz da loucura contemporânea: análise sobre as práticas de cuidado humanizado e mudanças das instituições psiquiátricas no Brasil

  • Autor
  • Maycon Leandro da Conceição
  • Resumo
  •  

    Esta pesquisa visa analisar as transformações psiquiátricas no Brasil, destacando as estratégias desinstitucionalização das pessoas com experiência de loucura egressas dos hospitais psiquiátricos e manicômios judiciários. Dessa forma, realizamos um estudo etnográfico com objetivo de compreender os discursos, práticas de cuidado e a reforma psiquiátrica brasileira em interseccionalidade com gênero, classe, raça e etnicidade. Descarte, almejamos contribuir para o debate sobre as transformações das instituições psiquiátricas e ressignificação da loucura na contemporaneidade mediante o arcabouço teórico dos pensadores de Michel Foucault, Erving Goffman, Juliano Moreira, Franco Basaglia, Gilles Deleuze e Félix Guattari. Para fazê-lo, adotamos uma pesquisa etnográfica e entrevistas semiestruturadas com os trabalhadores de saúde mental nos Centros de Atenção Psicossocial e Serviços Residências Terapêuticas, nos municípios de Campinas-SP e São Paulo-SP. Os dados foram sistematizados de acordo com a perspectiva da Análise de Discurso, resultando em três categorias reflexivas: (i) Reflexões do cuidado, itinerários, políticas públicas e ações do Estado frente ao processo de saúde e adoecimento mental articulados com os marcadores da diferença de gênero, classe, raça e etnia; (ii) Desafios das estratégias de desinstitucionalização para a garantia de direitos e cuidado em liberdade, acirrados pela ascensão das Comunidades Terapêuticas, resultando em disputas pelo fundo público e de territórios e direitos desiguais sob hegemonia neoliberal.

     No Brasil, a reforma psiquiátrica teve o protagonismo do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial desde os anos 1980, constituiu-se por mudanças vinculadas à luta antiproibicionista e antirracista, questionamentos das instituições asilares, da proteção social no âmbito das políticas sociais de saúde. O campo da saúde mental é constitui-se por um campo complexo e multifacetados, que acolham distintas transversalidades de saberes, engendrados em transformações teórico-conceitual, político-jurídico; sociocultural e técnico assistencial, que se entrelaçam em consensos, rupturas, conflitos e negociações entre o Estado e sociedade. Um marco legislativo importante foi a implementação do Programa de Volta Para Casa em 2003, com orientações das estratégias de desinstitucionalização e auxílio financeiro para a inclusão social. Deste modo, o problema proposto no estudo pode ser expressado na seguinte pergunta: quais os discursos acionados pelos atores sociais dos serviços de saúde mental relacionados às experiências, percepções sobre as estratégias de desinstitucionalização e quais mobilizações de resistência antimanicomiais contemporâneas?

    Para tentar responder o problema da pesquisa, os objetivos específicos podem ser sintetizados em: (i) analisar as tensões e os conflitos do direito à cidade; (ii) Identificar os desdobramentos da internação compulsórias e involuntárias e os dispositivos de resistências do movimento antimanicomial; (iii) compreender o desmonte das políticas sociais à saúde, especialmente, as mudanças políticas-institucionais sob ascensão da hegemonia neoliberal impulsionados pelo governo federal. Trata-se de um estudo etnográfico teve como componente no uso de diferentes recursos metodológicos: (i) etnografia multilocal desenvolvida nos serviços de saúde mental, iniciada em 2022 nos serviços da Rede de Atenção Psicossocial, destinado às estratégias de desinstitucionalização e cuidado em liberdade; (ii) compilação e análise de materiais secundários, tais como documentos oficiais e periódicos produzidos pelas políticas públicas de saúde mental e drogas; (iii) entrevistas semiestruturadas aplicadas com os usuários e trabalhadores de saúde. A análise dos resultados do trabalho se deu pelos pressupostos da desinstitucionalização e políticas públicas. Os dados foram sistematizados por meio da técnica da Análise do Discurso (Bardin, 2009), com base em saberes e práticas de biopoder, corpo e subjetividades. Como resultado dos dados, notou-se um retrocesso da garantia de direitos e um movimento de contrarreforma psiquiátrica, engendrados também por violências cotidianas nas mobilizações do direito à cidade, garantias de direitos desiguais e estigmas sociais das pessoas com transtorno psíquico. Para os interlocutores da pesquisa há confirmação do retorno das instituições privativas de liberdade sob hegemonia neoliberal, através da reabertura de leitos em hospitais psiquiátricos; ascensão das comunidades terapêuticas, sendo instituições religiosas que não atuam com o paradigma do cuidado em liberdade e redução de danos.  Por fim, conclui-se a existência de um movimento de (re)manicomialização das políticas sociais, conflitos com as internações compulsórias, disputas do fundo público das comunidades terapêuticas e, sobretudo, desafios das garantias de direitos fundamentais como inclusão pelo trabalho, educação, lazer e movimentos artísticos e culturais.

     

  • Palavras-chave
  • Loucura, Políticas Públicas de Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, Movimento da Luta Antimanicomial, Gênero e Raça.
  • Área Temática
  • GT8 - Movimentos sociais, protestos e participação na democracia brasileira contemporânea: perspectivas teóricas e metodológicas
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