Dom Helder Câmara foi um intelectual católico, nascido em Fortaleza no ano de 1909. Durante sua trajetória participou de diversos movimentos sociais e se envolveu em temáticas que ultrapassavam os ideários da Igreja Católica. Dom Helder argumentou sobre seus ideários publicamente, mantendo-se ativo e discursando em Universidades a partir da década de 1960. Ao longo dos anos foram vários os temas abordados, nesse viés esse trabalho tem como objetivo analisar um discurso feito por ele denominado como Superação do colonialismo interno que foi proferido na Formatura da Escola de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal) em 08 de dezembro de 1966. Esse discurso faz parte de um acervo de arquivos online, que reúne diversos manuscritos e datilografados de Dom Helder, os quais serviam como uma espécie de pauta para a realização de palestras, falas e discursos, nele é possível ver rascunhos e várias versões feitas por ele. A análise se dará por meio de um desses escritos, o qual foi denominado por ele como discursos.
O principal assunto abordado na fonte analisada é a questão da superação do colonialismo interno. A conceituação de colonialismo interno se refere a dinâmica de exploração e dominação dentro de um mesmo Estado, em que determinados grupos sociais são marginalizados. O termo será analisado a partir de Pablo González Canova (1965) e Octavio Ianni (1979). Além das dimensões econômicas e políticas, o colonialismo interno opera também no plano simbólico, com isso utilizaremos dos conceitos do autor Pierre Bourdieu (1977) para contribuir com a análise desses discursos utilizados como fonte de pesquisa.
O conceito de colonialismo interno foi orginalmente abordado por Casanova (1965), conforme afirmou: "o colonialismo interno ocorre quando um grupo dominante se apropria das riquezas e do poder político e cultural, submetendo as populações marginalizadas dentro do próprio território nacional" (Casanova, 1965, p. 33). Podemos considerar também o autor brasileiro que trata dessa temática, que é Ianni (1979), o qual destaca que o colonialismo interno ultrapassa a questão econômica e se consolida por meio da hegemonia das elites.
As regiões e populações exploradas internamente são tratadas como colônias de exploração, servindo aos interesses de uma minoria dominante que detém o poder econômico e político. A dominação interna se reproduz através de formas institucionais, políticas e culturais, que asseguram a dependência e a subordinação contínua. Não se trata apenas de uma exploração econômica, mas de um sistema complexo de dominação que envolve a cultura, a ideologia e os valores sociais (Ianni, 1979, p. 45).
Partindo disso, podemos relacionar tais conceituações com as palavras proferidas por Dom Helder, vale-se ressaltar que no período do discurso em questão, dezembro de 1966, o Brasil passava por uma ditadura militar. Nesse sentido Dom Helder em vários trechos argumenta sobre a necessidade de existir democracia e também argumentava em prol da defesa dos direitos fundamentais, conforme discursou:
Não será demais lembrar quais são, em síntese, estes direitos universais, invioláveis e inalienáveis. Se diante do nossos olhos eles forem desconhecidos, negados, pisados, poderemos cruzar os braços? Havendo obrigação de reagir, caberá a força defender o direito ou haverá algum válido pacífico de direito afirmar-se e impor-se? (Câmara, 1966, p.1).
Nesse trecho, Dom Helder faz uma reflexão sobre a natureza dos direitos humanos e a função dos sujeitos e instituições diante do não cumprimento deles. Dado o contexto em que vivia, da ditadura militar a argumentação usada faz todo o sentido, já que nesse momento no Brasil os direitos humanos não estavam sendo garantidos. Por meio desse trecho ao questionar se deveriam cruzar os braços coloca em evidencia a passividade em relação ao que estava ocorrendo.
Referências
CÂMARA, Helder. Superação do Colonialismo interno. Discurso proferido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 1966.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis: Vozes, 1977.
CASANOVA, Pablo González. Democracia en México. México: ERA, 1965.
IANNI, Octávio. Colonialismo e imperialismo. São Paulo: Civilização Brasileira, 1979.
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