INTELECTO GERAL (GENERAL INTELLECT): REVISITANDO O CONTROVERSO ‘FRAGMENTO SOBRE AS MÁQUINAS’ DE KARL MARX

  • Autor
  • Rodrigo Moreno Marques
  • Resumo
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    Karl Marx, em um excerto conhecido como Fragmento sobre as máquinas, pertencente aos manuscritos designados Grundrisse (1857-1858), levanta a possibilidade de uma reconfiguração futura do universo do trabalho, quando ele não seria mais dominado pela lei do valor, especialmente diante das atividades em que predomina o emprego do conhecimento coletivo, que o autor designa general intellect. Ao apresentar essa hipótese, Marx antevê que, com o desenvolvimento da grande indústria, a criação de riqueza iria depender menos do tempo de trabalho empregado nos processos produtivos e passaria a depender mais da capacidade dos trabalhadores, do avanço da ciência e da sua aplicação à produção. Diante dessa perspectiva, argumenta Marx, a produção baseada no valor de troca iria desmoronar, ou seja, ruiria o modo de produção capitalista. Nota-se, portanto, que Marx vislumbra aí um cenário em que o conhecimento adquire um potencial libertador que colocaria em xeque a dominação do capital. Não obstante ser essa a única passagem na obra de Marx em que ele emprega o termo general intellect e desenvolve esse exercício especulativo, esse texto tem fomentado um instigante e controverso debate na arena da Economia Política.

    Os Grundrisse foram publicados pela primeira vez em Moscou em 1939 e, depois, em Berlim no ano de 1953. Nos anos 1960, o referido excerto sobre as máquinas ganha projeção a partir da sua publicação pelo movimento italiano operaísta, também conhecido como movimento autonomista. Desde então, o Fragmento sobre as máquinas tem sido referência em diferentes debates como, por exemplo, no questionamento da neutralidade da ciência na produção industrial (década de 1960), na crítica à ideologia do trabalho em países socialistas (década de 1970) e no debate sobre o pós-fordismo que surge nos anos 1980 (VIRNO, 1990). No começo dos anos 2000, essa famosa passagem dos Grundrisse foi apropriada por autores, como André Gorz (2005), que alegavam que, com o advento das Internet e das tecnologias de informação e comunicação, estariam finalmente dadas as condições históricas para emancipação da classe trabalhadora por meio do general intellect.

    Diante desses controversos debates, na presente exposição, primeiramente, buscarei esclarecer um fato que é pouco conhecido: a noção de general intellect que Marx emprega nos Grundrisse guarda estreita conexão com a ideia de “Marcha do Intelecto” (March of Intellect) introduzida pelo socialista utópico Robert Owen, dentro de um debate público que ficou conhecido como “Questão da maquinaria” (Machinery Question) ocorrido na Inglaterra nas primeiras décadas do século XIX. Naquela ocasião, diante da substituição massiva de trabalhadores por máquinas industriais, surge uma campanha para expansão da educação das massas para melhor qualificar os trabalhadores. Também contribuem para esse debate e servem de inspiração para Marx as reflexões dos socialistas William Thompson e Thomas Hodgskin, bem como do cientista e inventor Charles Babbage (PASQUINELLI, 2019).

    Num segundo momento da presente exposição, a partir dos argumentos de Michael Heinrich (2005, 2013), irei defender que, na famosa passagem do Fragmento sobre as máquinas, a ideia de general intellect é postulada por Marx numa tentativa de decifrar o chamado Enigma de Quesnay. No entanto, naquela ocasião, o pensador alemão ainda não dominava plenamente o complexo categorial que ele iria apresentar ao mundo em sua obra magna. Ao escrever os Grundrisse, o autor, dentre outras limitações, não tinha ainda um conceito adequado de mais-valia relativa.

    Ao publicar o Livro I de O Capital em 1867, Marx (2013) retorna ao problema que o havia atormentado quase dez anos antes. Mas, dessa vez, demonstra já ter decifrado o antigo enigma: “Ora, como o mais-valor relativo aumenta na proporção direta do desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ao passo que o valor das mercadorias cai na proporção inversa desse mesmo desenvolvimento, e como, portanto, o mesmo processo barateia as mercadorias e aumenta o mais-valor nelas contido, temos a solução do enigma de por que o capitalista, cuja única preocupação é a produção de valor de troca, esforça-se continuamente para diminuir o valor de troca das mercadorias, uma contradição com que Quesnay, um dos fundadores da economia política, torturava seus oponentes e à qual eles jamais conseguiram dar uma resposta” (MARX, 2013, p.394-395)

  • Palavras-chave
  • General intellect; Fragmento sobre as máquinas; Economia Política; Karl Marx.
  • Área Temática
  • GT6 – Teoria e Epistemologia da Economia Política da Comunicação
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