Analisando um cenário pós-divulgação, pela ação de Edward Snowden, de documentos revelando monitoramento global de ligações telefônicas e transmissões de internet de cidadãos de diversos países pela CIA, Zuboff (2015) caracterizou de capitalismo de vigilância a estratégia do capital de utilização de dados pessoais disponibilizados na internet como matéria-prima e produto final com objetivos de lucro.
Ainda que o conceito cunhado pela pesquisadora norte-americana seja recente, vale ressaltar que as suas bases foram constituídas na década de 1970, quando as tecnologias da informação e comunicação passaram a cumprir, de modo crescente, um papel determinante na estrutura econômica em nível mundial, bem como na mediação das relações sociais (Bolaño, 2000).
Um dos aspectos da construção das tecnologias de comunicação e informação que interessa nesse trabalho é o seu caráter discriminatório, conforme demonstram autores como Broussard (2018), Buolamwini e Gebru (2018), Lohr (2018), Nakamura (2018) e Silva (2019), sendo o reconhecimento facial – que tem se consolidado no Brasil como uma política pública[1], especialmente na área da segurança – um dos principais exemplos.
Ao passo em que mais governos adotam o reconhecimento facial como uma estratégia para a segurança pública, ampliam-se também os questionamentos sobre o caráter racista dessa política. Dados da Rede de Observatórios de Segurança, por exemplo, apontam que, entre março e outubro de 2019, 151 pessoas foram presas a partir da tecnologia de reconhecimento facial em quatro estados do Brasil (Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro e Santa Catarina), sendo que 90,5%, nos casos em que havia informações sobre raça e cor, eram negras, sendo a idade média de 35 anos.
Os dados do Brasil se relacionam com pesquisas de outros países, como os Estados Unidos e Reino Unido, em que diferentes estudos têm confirmado a perspectiva racista na utilização do reconhecimento facial.[2]
Partindo, portanto, da compreensão da vigilância via tecnologias da informação e comunicação como uma estratégia de controle em curso pelo Estado e também pelo mercado, esse trabalho busca discutir de que modo políticas de reconhecimento facial aplicadas por órgãos de segurança pública no Brasil apresentam indicadores que confirmam a aplicação da tecnologia por marcadores étnico-raciais. O artigo será constituído de um mapeamento das iniciativas de reconhecimento facial na área da segurança, tanto pelo Governo Federal quanto por governos estaduais, seguido de dados e informações sobre a aplicabilidade dessas tecnologias, além de apontamentos críticos sobre o tema, a partir da leitura e análise de relatórios de órgãos públicos, pesquisas acadêmicas e manifestações de organizações de direitos digitais do país.
[1] Atualmente, segundo levantamento do Instituto Igarapé, 37 cidades, de 16 estados do país, de algum modo, utilizam esse instrumento e no decreto que regulamenta o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para os estados, publicado em outubro de 2019, está previsto o uso para “fomento à implantação de sistemas de videomonitoramento com soluções de reconhecimento facial...”.
[2] Nos Estados Unidos, em 2018, a American Civil Liberties Union, utilizando uma ferramenta de reconhecimento facial desenvolvida pela Amazon, Rekognition FR, aplicou uma pesquisa junto a parlamentares do país e concluiu que 28 membros do Congresso foram identificados erroneamente com outras pessoas já presas por algum crime, sendo a maioria de pessoas negras. A partir desse e outros estudos, recentemente, San Francisco tornou-se a primeira cidade daquele país a proibir, por lei, o uso de tecnologia de reconhecimento facial por agências públicas, incluindo a Polícia. Após San Francisco, Sommervile também já proibiu e o uso, e outras cidades, como Oakland, discutem medidas semelhantes. No Reino Unido, um estudo da University of Essex, divulgado pelo The Guardian, revelou que mais de 80% das pessoas identificadas como suspeitas pelo reconhecimento facial, em sua maioria negras, não eram as pessoas efetivamente procuradas pela Polícia.
A Ulepicc-Brasil (capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura) realiza seu oitavo encontro excepcionalmente na modalidade virtual de 12 a 23 de outubro. O evento prioriza as atividades dos Grupos Temáticos, cada qual com uma mesa e cujas atividades ocorrem em horários diferentes. Os debates são sobre as transformações no sistema capitalista e seus impactos nos campos da informação, da comunicação e das mídias, da cultura e da produção cultural.
O 8º Encontro da Ulepicc-Brasil tem o apoio da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e os anais do evento aqui representados trazem os resumos expandidos aprovados para 8 Grupos Temáticos e para a Jornada de Graduandas/os. Os Anais do 8º Encontro da Ulepicc-Brasil têm o ISBN 978-65-88480-02-1.
Comissão Organizadora
Anderson Santos, Manoel Dourado Bastos, Fernando de Oliveira e Julliana Barra
Comissão Científica
Murilo César Ramos (UnB)
Rozinaldo Miani (UEL)
Jonas Valente (LaPCom/UnB)
Verlane Aragão Santos (PPGCOM-UFS)
Juliana Teixeira (UFPI)
César Ricardo Siqueira Bolaño (UFS)
Marco Schneider (PPGCI-IBICT/UFRJ e PPGMC-UFF)
Ivonete da Silva Lopes (UFV)