O capital mercantil, durante os séculos XVI e XVII, não atuava apenas na esfera da circulação de mercadorias, mas também organizava e controlava o processo de produção, comandando vários artesãos que trabalhavam de suas próprias casas por meio de uma remuneração análoga ao assalariamento. Neste caso, o artesão domiciliar encontrava-se subsumido materialmente pelo capital mercantil, pois, embora ele ainda detivesse a posse de uma pequena propriedade particular, eram os mercadores quem compravam antecipadamente toda a sua produção, além de ser quem fornecia as matérias-primas e as ferramentas de trabalho, definindo, dessa forma, os próprios limites da produção.
No entanto, apesar da “ampliação do sistema doméstico [ser] um sinal de penetração do capital comercial na industrial”, foi apenas com o “estabelecimento de manufaturas” que se tem “a completude desse processo” (RUBIN, 2014, p. 198). Assim sendo, é somente no período manufatureiro que se pode falar de subsunção formal do trabalho no capital e, portanto, da fundamental contradição entre trabalho e capital. Convém ainda apontar que, a despeito da transformação dos artesãos em trabalhadores assalariados e especializados, o processo de trabalho permanece dependente “do conhecimento e das habilidades do trabalhador individual na utilização das ferramentas herdadas do artesanato” (BOLAÑO, 2008, p. 4).
Com efeito, foi a partir da desapropriação da vida material das famílias, da organização do trabalho pela cooperação, do impulso gerado pela divisão manufatureira do trabalho e da apropriação das ciências pelo capital que se materializou o processo histórico-concreto da Primeira Revolução Industrial. Tal acontecimento representa a ampla difusão do sistema de máquinas e, por conseguinte, o predomínio definitivo da grande indústria sobre o capital comercial. Assim sendo, tem-se, como resultado desse conjunto de reais transformações originadas a contar do último terço do século XVIII, que “revoluciona não só as relações entre os diversos agentes da produção, mas também simultaneamente o caráter desse trabalho” (MARX, 2004, p. 89), a consolidação da subsunção real do trabalho no capital (MARX, 2004).
Diante do avanço tecnológico, especialmente da incorporação em larga escala das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), que ocorreram a partir do último quartil do século XX, chega-se, de acordo com Bolaño (2002), dada a renovação do processo de subsunção do trabalho no capital, a um novo momento de inflexão, a saber: a Terceira Revolução Industrial.
Nesse contexto, e da conseguinte digitalização geral dos processos de trabalho, o chamado “trabalho uberizado” representa um caso particular de trabalho improdutivo mediado por aplicativo, pois, ao contrário do trabalho formalmente subsumido, o que se tem é uma subsunção material exercida por um determinado tipo de capital sobre uma ampla massa de trabalhadores que foram expulsos dos convencionais processos fordistas, Assim, o objetivo do futuro artigo é efetuar uma crítica às principais interpretações que consideram que o “trabalho uberizado” é uma forma mascarada de trabalho assalariado, bem como desvelar o caráter parasitário da empresa Uber, que, ao apropriar-se de parte da renda, é semelhante (mas, por certo, não igual) ao capital mercantil dos séculos XVI e XVII.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comissão Científica