Na ocasião da invasão portuguesa ao território que conhecemos como Brasil, estima-se que havia cinco milhões de pessoas dos povos originários vivendo aqui. O processo civilizatório marcado pelo eurocentrismo determinou a forma como os povos indígenas foram tratados e retratados no país. Os últimos levantamentos censitários apontam para a existência de 700 mil indígenas, de 220 povos e culturas diferentes neste território. “A sociedade brasileira majoritária, permeada pela visão evolucionista da história e das culturas, continua considerando os povos indígenas como culturas em estágios inferiores.” (LUCIANO BANIWA, 2006, p. 40) Durante mais de cinco séculos, os indígenas foram pensados como seres efêmeros, em transição para a cristandade, civilização, assimilação e desaparecimento (CUNHA, 2012). Desde as missões jesuíticas, o Diretório dos Índios, o Serviço de Proteção do Índio (SPI) e as diferentes fases da Fundação Nacional do Índio (Funai), as políticas indigenistas operadas pelo Estado brasileiro, a partir de seus interesses a cada tempo, embasam a forma como a imprensa se relaciona com as populações indígenas. A partir de 1916, por exemplo, “os indígenas passaram a ser tutelados do Estado brasileiro”, o que implicava nas mediações das relações índios-Estado-sociedade nacional. (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p.114). A tutela pressupõe que ao tratar dessas temáticas, a imprensa deve obrigatoriamente buscar as fontes oficiais, sem a escuta dos próprios sujeitos indígenas. Com a Constituição de 1988, os povos indígenas passam a ter direitos constitucionais, sendo “reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras” (BRASIL, 1988). Embora nos últimos dez anos tenha havido um crescimento da presença indígena na mídia, em especial em veículos independentes (PORTALDACOMUNICAÇÃO, 2022), ainda é possível perceber um distanciamento dos jornalistas em relação a temática (COSTA, 2022). Neste artigo, propõe-se discutir as implicações deste distanciamento, e consequente desconhecimento, na qualidade da cobertura jornalística sobre os povos originários, a partir de uma revisão bibliográfica e pesquisa documental. Observa-se que o fenômeno da autorrepresentação com o surgimento dos comunicadores indígenas atuando cada vez mais como midiativistas. Seja em veículos próprios como a Webrádio Yandê, produções especializadas como o podcast Papo de Parente, ou ainda em organizações indígenas como os canais da Articulação dos Povos Indígenas (APIB), a voz indígena tem se ampliado em produções jornalísticas. Porém, o protagonismo comunicacional destes sujeitos ainda ocorre nas chamadas etnomídias, enquanto nos veículos da mídia hegemônica sua presença se limita muitas vezes a datas comemorativas e registro de manifestações. Conclui-se que o jornalismo hegemônico tende a reproduzir visões estereotipadas e genéricas que não correspondem à diversidade dos povos indígenas e que contribuem para a manutenção do racismo e do preconceito. É preciso decolonizar a agenda, as pautas, as fontes e também o vocabulário utilizado para tratar das questões indígenas.
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