Há lacunas nas estatísticas oficiais brasileiras frente às demandas, em que pese a reconhecida qualidade daquelas que são produzidas. Essas brechas, que colocam em xeque o caráter inclusivo das políticas em informação também internacionalmente, são aqui analisadas em conjunto com a proposição para superá-las, desenvolvida no âmbito da Comissão de Estatística das Nações Unidas (CENU), através do entrelaçamento das estatísticas com a profusão de dados (big data) constituinte do ambiente de dados contemporâneo. A compreensão dos impactos políticos e éticos desse enlace e a análise de sua efetividade para assegurar, no Brasil, a inclusão informacional compõem o artigo.
Como suporte teórico, a noção de regime de informação, a partir de González de Gómez (2012) e Frohmann (1995), é adotada para a análise do entorno das estatísticas oficiais, que engloba instituições, normas, atores e relações de forças que apontam maior ou menor possibilidade de acesso inclusivo à informação. Essa abordagem complementa os olhares críticos sobre a política de informação em Braman (2006) e em Bezerra (2019). São observadas, adicionalmente, as implicações da sociedade em rede e as articulações políticas próprias dos arranjos reticulares que, para Galloway & Thacker (2007), não constituem garantia a priori de horizontalidade das relações sociopolíticas, podendo impor dominação, tanto quanto a hierarquia social verticalizada tradicional, tendo em vista a incidência de controles pervasivos, tais como descritos por Deleuze (1992), como formadores da sociedade de controle. Os conceitos de biopolítica (FOUCAULT, 2005) e de governamentalidade algorítmica (ROUVROY & BERNS, 2015) fundamentam considerações sobre a tecnologia de exercício de poder constituída por correlações sobre os big data e algoritmos. Ainda, Rouvroy (2016;2017;2020) associa a essa governamentalidade uma automatização recursiva, geradora de perfis visando a diferentes aplicações e neutralizante do inesperado. Aspectos que, para a autora, propiciam ao capitalismo e ao liberalismo vigentes um lugar de conforto, uma vez que é no inusitado, inerente à vida, que está a possibilidade do exercício político calcado em criação emancipatória. Tais construções são combinadas às visões de Schneider (2013) e Sanchez Vasquez (2004) de que é no encontro da política e da ética que ocorre a compreensão da viabilidade real das intencionalidades presentes nos códigos de boas práticas, em geral, normativos.
Sob o ponto de vista empírico, são examinados os códigos das estatísticas oficiais (NAÇÕES UNIDAS, 2014) referentes ao amplo acesso à informação, transparência e accountability face ao uso de big data, como complemento às estatísticas tradicionais. É realizada a análise documental no que diz respeito às lacunas estatísticas, a partir de estudo desenvolvido no âmbito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (SIMÕES et all, 2018). O contexto internacional é abordado tomando em conta as sessões da CENU de 2021 e 2022 sobre a combinação das estatísticas oficiais e big data, que acarreta papel ampliado para os gestores dos Sistemas Estatísticos Nacionais. As primeiras análises indicam que são reais os ganhos que motivam a aproximação entre as estatísticas tradicionais e big data, sendo inerentes a esse acercamento, riscos à viabilidade de mensurações estatísticas sobre tópicos, recortes populacionais e territórios não hegemônicos.
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