Na literatura sobre a formação cultural latino-americana não faltam menções à influência de culturas externas, compondo o que Canclini (1997) denominou de “culturas híbridas”. Mais especificamente, costuma-se valorizar e mimetizar produções e hábitos vinculados a países de economias centrais, herança direta do nosso particular processo de colonização até a interferência estatal por parte dos Estados Unidos no período ditatorial. No Brasil, nomes como Celso Furtado (1984a, 1984b) e Sérgio Buarque de Holanda (2010) atribuem ainda esse cenário à nossa modernização dependente. Enquanto o último classifica a implantação da cultura européia em território brasileiro como “fato dominante mais rico em consequências” (HOLANDA, 2010, p. 35), Furtado (1984b, p. 29) sugere que, ao se voltarem para os valores externos, a elite, responsável pelo progresso técnico, ignora a realidade, as necessidades e as limitações locais, resultando numa “crise de identidade. Com o advento da Indústria Cultural, criada como base de sustentação do modelo capitalista monopolista, soma-se a essa tendência de valorização externa o domínio norte-americano (ou, mais especificamente, hollywoodiano) da produção cultural, oferecendo obras propositalmente desterritorializadas mas que refletem seus interesses ideológicos (ORTIZ, 1994): a chamada cultura pop. Assim, surge nas elites e classes médias do Brasil um singular apreço a ídolos internacionais, sendo o fã brasileiro mundialmente reconhecido pelo seu engajamento característico, conforme constata estudo anterior (AMADO, 2020).
Contudo, Furtado (1984b, p. 24) reconhece uma “consciência crítica” em alguns setores sociais, que contribui “para elevar o grau de percepção dos valores culturais de origem popular, criando áreas de resistência ao processo de descaracterização” (FURTADO, 1984b, p. 24). São consumidores cientes do chamado imperialismo cultural e que defendem a comunidade artística local, questionando os imperativos da Indústria. Quando num consumo de fãs, esses consumidores são o que aqui é denominado “fandom de resistência”, em oposição direta aos fandoms transculturais voltados para a cultura internacional.
A apresentação proposta através deste resumo corresponde às reflexões iniciais do que virá a ser o trabalho de tese de doutoramento da autora, no qual serão discutidos fandoms de resistência de artistas da indústria fonográfica brasileira ligados ao rap, funk e samba. Por hora, apresenta-se o conceito de “fandom de resistência”, suas origens e seu local social a partir da recuperação bibliográfica dos trabalhos de Furtado sobre a formação cultural do país; de Bolaño acerca da crítica da Indústria Cultural; e dos estudos de fãs.
A pesquisa justifica-se (1) pela centralidade dos fãs, atores cruciais para a estrutura contemporânea das indústrias culturais porém ainda pouco discutidos pela perspectiva crítica; e (2) pela observação de movimentos contrários ao imperialismo e que valorizam a cultura popular nacional, afinal, como afirma Furtado (1984b, p. 33), “uma reflexão sobre nossa própria identidade terá que ser o ponto de partida do processo de reconstrução que temos pela frente, se desejamos que o desenvolvimento futuro se alimente da criatividade do nosso povo e contribua para a satisfação dos anseios mais legítimos deste”.
Comissão Organizadora
Ulepicc-Brasil
Comissão Científica