Quem defende a criança queer?, nos questiona Paul B. Preciado em um dos artigos de seu livro Um apartamento em Urano (2020). A partir desta leitura, transversalizada pela obra de Judith Butler, em que os processos da heteronormatividade levam a classificar os corpos como abjetos e a classificar e valorar quais vidas que importam (2011), a partir das discursividades do sexo e da generificação dos corpos, somado aos conceitos da necropolítica (2018), de Achille Mbembe. Tais classificações, categorizações e valorações, a partir da diferença, gerando estigmatizações a partir das lógicas da normalização e normatização dos corpos. Essa estruturação social justifica os movimentos conservadores que constroem e projetam um imaginário do futuro a partir de um ideal de criança que se enquadre em padrões pré-determinados como modelo, como ideais a serem atingidos pela educação hegemônica, o que leva, como efeito, ao apagamento da validade subjetiva das existências das crianças cuír/queer/viadas e valida as diversas formas de negação, exclusão e violências cometidas contra esses corpos. Outro ponto levantado nessas discussões é o jogo da naturalização de categorias como “sexo” enquanto classificação pré-discursiva (BUTLER, 2003), ignorando sua construção histórica cultural como expõem Michel Foucault (1999, 2006, 2007) em A História da Sexualidade e Thomas Lacquer e Catherine Gallagher em The Making of the Modern Body: Sexuality and Society in the 19th Century (1987). Esses discursos inclusive tem seu efeito estruturado no campo jurídico, mas sem antes passar pelo um ato de fabulação das representações, ou seja, através de uma construção imagética de um sujeito específico. Dessa forma como pensar em corpos/corpas que escapem de regulações binárias projetando então um local possível para expressão dessa criança cuír/queer/viadas?
Essa pergunta e esse contexto geral foram guias para realização das interpretações e investigações partir do filme La cité des enfants perdus (1995). A temática central dessa obra é captura da potência da fabulação da criança criando uma situação cultural de medo que se beneficia pelo controle do corpo fazendo-o ser producente ao sistema estabelecido e alienado (DELEUZE, 1992). Esse tipo de mídia é discutido como sendo importante meio de comunicação enquanto gerador de reflexões sobre as operações humanas (DELEUZE, 2005), além de ser um dos aparatos para reforço de operações na comunicação da biopolítica (YAMAMOTO, 2020). Destaca-se nesta pesquisa como o processo de construção imagética é fundamental para as ações concretas, pois forma um guia de onde se quer chegar, como exemplificado pelos movimentos de fabulação especulativa (HARAWAY, 2016, 2019, MCLEAN, 2017, NELSON, 2002, FREITAS, MESSIAS, 2018, NODARI, 2015, MBEMBE, 2016, TAL, 2002). A anti-metodologia empregada é da Cartografia Sentimental, de Suely Ronik (2007), que permite interpretações a partir dos afetos e dos agenciamentos dos pesquisadores.
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