Neste resumo sintetizo minha pesquisa de revisão de literatura de doutoramento em Psicologia Social Sócio-Histórica, onde as tecnologias digitais são discutidas sob a categoria do fetiche da mercadoria. Seu objetivo é conectar a crítica marxista de diferentes esferas das tecnologias digitais (EPTIC, epistemologias, subjetividade etc.) para contribuir com a visualização da sua totalidade e da dialética dessas partes – que chamo de máquinas automágicas.
Em geral, as chamadas tecnologias digitais envolvem o que as Ciências Cognitivas tratam como mente estendida – qualquer objeto artificial (lápis e papel, nanoprocessador etc.) a partir do qual a cognição humana (apreensão, memória e processamento/imaginação) pode ser expandida para além das suas capacidades corporais (CHALMERS, 2010).
Entretanto, a mente estendida é muito mais que isso. Trata-se de um dos maiores eventos da humanidade, que Vigotski (2004) chamou de "ferramentas psicológicas": dispositivos artificiais dirigidos para o domínio dos processos psíquicos próprios ou alheios. Assim, a mente estendida é uma mediação do trabalho social, onde a dimensão teleológica do trabalho pode ser amplificada, ampliando-se também as estruturas da consciência e o conhecimento e o domínio sobre a realidade, enriquecendo nossa própria ontologia (VIGOTSKI, 1997, 2004; MITHEN, 2002).
Mas, além de participar do pôr teleológico, a mente estendida (enquanto meio de produção, produto, causalidade posta) também retroage sobre a subjetividade (LUKÁCS, 2013). E nas sociedades da "discordância entre o resultado objetivo da atividade humana e o seu motivo" (LEONTIEV, 2004), essa "retroação" ocorre sob formas igualmente discordantes e estranhadas. Na etapa capitalista dessas sociedades, a mente estendida se apresenta como mercadoria, a forma social na qual o poder humanizador do trabalho é transferido psicossocialmente para os seus produtos. Sob a forma-mercadoria, a crescente complexidade do mundo humano-social é condensada e "criptografada", fazendo essas máquinas (enquanto síntese desse mundo) surgirem como objetos vivos, fantásticos, precisamente inquestionáveis e misteriosamente poderosos – as máquinas automágicas.
Internalizada e vivida de forma automágica, a mente estendida atua como mediação de segunda ordem, em seu duplo sentido. Primeiramente, as máquinas automágicas buscam criar e modelar nossas noções de realidade, sistemas de ações (LEONTIEV, 2004) e necessidades sociais através de promessas, affordances (NORMAN, 2008), arquiteturas de decisão, nudges (THALER e SUNSTEIN, 2018; PENTLAND, 2014) e pela habituação incutidas pelo design de interface e experiência do usuário (EYAL, 2014).
Por outro lado, é justamente retidos nessa experiência controlada e fetichizada que o "uso humano de seres humanos" (WIENER, 1970) receberá seu upgrade. Aqui, a razão de ser dessas máquinas, além de coproduzir e circular mercadorias e capitais, é transformar (através dos seus recursos computacionais) as atividades de consumo e fruição em atividades que produzem um decisivo valor de uso para a reprodução ampliada capitalista, os dados digitais. Na medida em que essas máquinas e seus capitalistas monopolizam crescentemente as mediações sociometabólicas, a intensidade concorrencial desse valor de uso (mesmo sem valor de troca) nos faz indagar se essas atividades não são impõem e se transvertem enquanto (também) trabalho social estranhado.
Com tudo isso, concluímos que a competência crítica em informação é um novo elemento da luta de classes.
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