A proposta é analisar a relação entre história e ficção na “Crônica do descobrimento do Brasil”, publicada pelo historiador brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen, entre 18 de janeiro e 28 de março de 1840, na Revista O Panorama, de Lisboa. A “Crônica” relata, de forma romanceada, a chegada da armada de Pedro Álvares Cabral nas terras que seriam denominadas de Brasil, com destaque para a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão oficial da esquadra, ao rei de Portugal. A narrativa combina episódios reais e personagens referenciais, como Caminha e Cabral, com personagens ficcionais e cenas inventadas. A relação entre o histórico e o ficcional dentro dessa narrativa pode ser observada não apenas no que se refere ao acontecimento em si, mas também na análise das personagens históricas nela contidas, pois o real, refletido na utilização de personalidades que tiveram uma existência documentada, é mesclado com um universo fictício. Tal narrativa, no entanto, não seria menos válida, e tampouco isentas de realidade, visto aliarem imaginação à parcela histórica que não deixa de sustentar. A “Crônica” seria um exemplo de ficção histórica, pois estabelece uma tensão entre a ficção e a história, e relaciona a personagem inventada e a histórica. O historiador que se dedicava a romancear os eventos históricos, apoiando-se nas mesmas fontes, operava no limite entre o real e o fictício, limite talvez ainda não tão certo e definitivo, o que amplia a própria concepção da história que se desenvolvia e se reconstruía nessa primeira metade do século XIX, relativizando, nesse sentido, a ideia da história científica e objetiva que caracterizará o Oitocentos. O Romantismo foi o pano de fundo do desenvolvimento de questões tanto sobre as definições dos padrões e conceitos historiográficos, quanto sobre as implicações do fazer literário, e é com base nesse pensamento romântico que a nacionalidade adquire a força e importância; e a ficção histórica surge e se estabelece, funcionando como um gênero de fronteira entre as duas instâncias. No Brasil, esse movimento fornece nuances importantes para pensar as fronteiras fluidas da história que se estabelecia, e que permitiram a escrita de obras literárias fronteiriças entre o romance e o histórico. Também na literatura, o retorno ao passado era o norte da produção ficcional, num momento em que se primava pela elaboração de um sentimento nacional, dada a importância da transmissão de lendas e tradições que compunham a Nação, as origens da pátria. A literatura, em certos momentos, precisava do apoio da história ou da ciência para se validar, algo que acontecia tanto no ambiente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, agremiação de onde Varnhagen era sócio, como no de O Panorama. Assim, a visão de Varnhagen sobre a literatura é sustentada nestes dois locais, onde a historiografia não é oposta à literatura, pois esta acompanha a Nação, indicando o estágio no qual se encontra.