O presente trabalho é um desenvolvimento do último capítulo da dissertação intitulada A besta-fera vai ao paraíso: uma análise da construção da memória e identidade pública da médica e comunista maranhense Maria Aragão. Foca-se, aqui, a análise de como documentos produzidos em homenagem a Maria Aragão intervém na construção de sua identidade pública e reafirmação da mesma como uma “heroína” do estado do Maranhão. Partimos, para isto, de documentos publicados em três ocasiões distintas: uma revista publicada em 1988, por ocasião de seu aniversário de 78 anos; as matérias jornalísticas publicadas nos dois dias seguintes à sua morte em 24 e 25 de junho de 1991 (os chamados “elogios fúnebres”); e os textos constantes no livro organizado por Antônio Francisco, publicado no ano seguinte à morte de Maria. Tais documentos, ao mesmo tempo em que constituíam homenagens a Maria Aragão, eram também uma autodeclaração de posição política e tentativas de construção de uma visão de mundo. Tal como é comum às homenagens, geravam reconhecimento não só para ela, mas também para aqueles que as produziam, além de reiterar uma percepção teleológica da sua história de vida, tal como é comum às reconstruções biográficas (BOURDIEU, 2006). Pôde-se perceber, assim: que a caracterização de Maria Aragão, feita pela própria em seus depoimentos autobiográficos, foi reiterada, com algumas diferenças, pela maior parte dos documentos hagiográficos – o que incluía a divisão de sua vida em três “etapas”, o destaque para a vinculação com Luiz Carlos Prestes e para a posição concomitante de médica e “líder política”; a consonância da grande maioria das características atribuídas a ela com características consagradas como sendo próprias da identidade comunista - como o heroísmo, a abnegação, o fato de estar constantemente sendo perseguido (PANDOLFI, 1995); a crença na vida de Maria como tendo sido guiada por uma “doação”, destacando a longevidade de sua dedicação à “causa” – variando, contudo, o conteúdo desta causa; a construção de sua imagem como um modelo a ser seguido, o que vinha conjuntamente ao destaque da continuidade de sua “luta”, a despeito da sua idade avançada (no caso das homenagens com ela ainda em vida) ou da sua morte (no caso dos “elogios fúnebres”). Por fim, pôde-se notar como esta construção memorialística relacionava-se com disputas político-partidárias e ensejava, dentre os homenageadores, a disputa pela apropriação legítima de sua “herança simbólica”.