O presente trabalho é um desdobramento de uma pesquisa mais ampla sobre a construção da memória e identidade de uma agente que se tornou conhecida e reconhecida no meio político e cultural maranhense: a médica e comunista Maria Aragão. Ao tomar os registros biográficos e autobiográficos de/sobre Maria Aragão como fonte e objeto de pesquisa, impôs-se necessidade de análise da relação entre memória, identidade e gênero. Partindo do pressuposto que os registros de e sobre as mulheres estão diretamente relacionados com o lugar que elas ocupam na sociedade (PERROT, 1989), percebeu-se, primeiramente, a partir de rememorações da própria Maria, como as tentativas de construção da distinção entre o que é considerado público e o que é considerado privado fazem parte de esforços direcionados a coloca-la (e às demais mulheres) em um espaço restrito – o que pode ser visto, por exemplo, nas críticas por ela ter tido uma filha sem ter casado e nas acusações de que ela seria prostituta. Em seus relatos pôde-se perceber, também, o peso de uma cultura machista em instituições como a Igreja Católica e o Partido Comunista Brasileiro, bem como a sua contraposição a alguns aspectos do comportamento tradicionalmente imposto às mulheres e, ao mesmo tempo, a aceitação tácita de outros destes aspectos. No que tange à sua relação com a medicina, pôde-se perceber a raridade de mulheres neste ofício quando da sua formação acadêmica (década de 1940), bem como a maior possibilidade de quebra desta “barreira” nas especialidades que Maria exerceu: a pediatria e a ginecologia. Como mulher que ocupou espaços tradicionalmente ocupados por homens, a estruturação da memória e identidade de Maria não se restringe a eventos da vida familiar (tal como é mais comum em memórias femininas) e tampouco se restringe a eventos convencionados como da ordem da política. Deve-se destacar, também, que foram raras as mulheres que vieram a público, pelos meios aqui analisados, para falar sobre Maria Aragão. Ela própria, quando intervém na construção de sua identidade pública, o faz mediada por terceiros, que conduziram as entrevistas e organizaram a exposição dos relatos. Isto faz parte das tentativas de construção do espaço público – e da política – como um espaço hegemonicamente masculino (PERROT, 1989; FACINA e SOIHET, 2004), além de demonstrar uma situação em que, apesar de ser uma mulher a ocupar a condição de homenageada, o espaço político permanece como hegemonicamente masculino.