Introdução:
Na contemporaneidade, se nos propomos a pensar sobre as novas modalidades de mal-estar, deparamo-nos com um grande destaque conferido ao corpo. Seja recortando-se na automutilação, anestesiando-se com psicotrópicos, álcool e outras drogas, transformando-se através de cirurgias plásticas, marcando-se com tatuagens e piercings, o corpo está sempre presente, e nele insiste a dor. Tal como apontado por Birman, enquanto a modernidade fora marcada pelo sofrimento, que exigia a elaboração da experiência pela via da linguagem e sua consequente temporalização, na contemporaneidade o sofrimento cede lugar à dor, que incide nua e crua, no opaco espaço do corpo. Sem dúvida a consideração sobre o corpo não é uma novidade para a psicanálise. A novidade é que o corpo ganha um novo estatuto, na medida em que se torna o nosso bem supremo, a única referência possível em um mundo onde as antigas categorias que serviam como referência, tal como Deus, o Outro e até mesmo o Sujeito estão sendo radicalmente questionadas.
Objetivos:
Cartografar as transformações da concepção de corpo em psicanálise, privilegiando os conceitos de ‘zona erógena’ na obra de Freud e de ‘corpo falante’ na obra de Lacan, articulando-os com o conceito de ‘corpo sem órgãos’ na obra de Deleuze, incluindo as obras em colaboração com Guattari, para pensar suas possíveis contribuições para a psicanálise na contemporaneidade.
Conclusão:
Podemos afirmar que a psicanálise superou a dicotomia cartesiana entre mente e corpo na medida em que, ao elaborar suas críticas contundentes à medicina positivista de sua época, Freud precisou criar uma nova concepção de corpo e de psiquismo, demonstrando suas diferenças e concomitante indissociabilidade, indo além das noções biológicas de somático e de organismo, bem como das noções teológicas e filosóficas de alma e de espírito.
Lacan, por sua vez, afirma que para gozar é necessário um corpo, mas o estatuto desse corpo que se goza ainda não foi suficientemente discutido. No momento final de seu ensino, quando pensa a linguagem como meio de gozo, muitas questões acerca do corpo foram abertas e só puderam ser respondidas com a criação do conceito de corpo falante. Tal conceito nos permite questionar a categoria de sujeito na medida em que o verbo falar não está mais referido a um sujeito e sim ao próprio corpo.
Deleuze e Guattari dão a sua contribuição para esse debate na medida em que, com o conceito de corpo sem órgãos, tomado de Antonin Artaud, colocam no cerne das investigações sobre o corpo a experiência da fragmentação esquizofrênica, ao invés de priorizar os casos de psicose paranóica, como haviam feito Freud, com o caso Schereber, e Lacan, com o caso Aimée. Com o corpo sem órgãos não há mais distinção entre corpo e linguagem, por isso ambos serão revirados pelo avesso para poderem ser, finalmente, reinventados.