Maldita Morte (2005) é um romance de autoria do escritor madrilenho Fernando Royuela. A obra narra as desventuras e tragédias do crudelíssimo e deformado anão Gregório. Alcunhado de Goyo ou Goyito, trata-se de um narrador-personagem que encarna a miserabilidade social e moral de uma Espanha decadente (devastada pela barbárie que a assolou durante a guerra civil). Ao mesmo tempo, Goyo critica os rastros sanguinolentos e imorais deixados naquele país pelo ditador Francisco Franco, após os conflitos que ali se deflagraram. Filho de uma prostituta, Goyito protagoniza uma narrativa que o levará à morte, inevitavelmente. O leitor – posto como um interlocutor desconhecido – é convidado a adentrar a narrativa como uma espécie de voyeur: é posto como espectador da morte do anti-herói, à medida que avança na história. Assim, o protagonista argumenta que o fim da existência não passa de um fenômeno irrevogável e que todos, sem exceção, estão sujeitos a tal extinção, independente dos sentidos e significados que fabricam em seu foro íntimo e em sociedade. Em virtude disso, este trabalho intenta refletir sobre o movimento pendular entre o absurdo e o cinismo que emergem no périplo vivido por Gregório. Parte-se da tese de que o absurdismo se manifesta nos sentimentos contraditórios e conturbados da personagem em relação à essência da vida, a inevitabilidade da morte e o papel da Providência. Esse ponto se inspira nas ideias do filósofo e escritor Albert Camus que trabalhou com seu próprio conceito de absurdo em obras como O homem revoltado (1951), O mito de Sísifo (1942), O estrangeiro (1942) e A morte feliz (1938). Sendo uma análise inicial, toma-se como mote para este trabalho, entre outros aspectos, a premissa de Camus de que, sendo o absurdo uma contradição em si mesma – cuja influência o homem só conseguiria esgueirar-se por meio da revolta – o narrador-personagem personifica o próprio absurdo: demonstra indiferença em relação à morte, desejo de viver, conforto na poesia. Além disso, Fernando Royuela recupera aspectos do romance picaresco, um gênero literário moderno surgido na Espanha do século XVI que dialogou, sobretudo, com a corrente filosófica do Cinismo e com essa linguagem consegue erigir no discurso de seu disforme personagem o completo desprezo pelos valores morais e pelas crenças alheias, resultado de suas sucessivas experiências diante do assassínio. Visa-se demonstrar que o cinismo, nesse sentido, desponta como estratégia do autor de, não apenas se manter ligado a uma tradição literária surgida na época do Antigo Regime espanhol, mas também de enfatizar o absurdo dos regimes ditatoriais, valendo-se, para tanto, do tom mordaz e da sinceridade exacerbada que ronda o conteúdo tragicômico do relato de Goyo.