À luz da epistemologia feminista, que busca tanto visibilizar as perspectivas das mulheres ao longo da história, quanto libertar suas obras da necessidade de categorização conforme os cânones tradicionais e reconhecê-las em sua diferença, este trabalho lança um olhar sobre a multidisciplinaridade no conceito de erotismo desenvolvido por Lou Andreas-Salomé. Examinando-se a autobiografia da autora, “A minha vida”, publicada em 1951, bem como dois ensaios psicanalíticos sobre o erotismo, “Reflexões sobre o problema do amor”, de 1900, e “O erotismo”, de 1910, buscou-se apreender, de forma fenomenológica, a criação de sentidos na relação entre a narrativa autobiográfica - articulando a memória a partir dos afetos, e a explicação do conceito erotismo em sua construção teórica. Lou Salomé, nascida e educada na Rússia, imbuída do espírito de autonomia feminina que prenunciou a revolução, buscou como suas conterrâneas a formação acadêmica na Europa ocidental, o que também demandava ressignificar as relações com os homens no sentido da cooperação intelectual. Como integrante nos círculos de intelligentsia, a autora partilhava do fervor da mentalidade da época que evidenciava o confronto entre "as grandes correntes pós-kantianas" e "a era darwinista", que em tese defendia a separação e fragmentação entre ciência e subjetividade. Naquele período os estudos sobre a "sondagem da alma" iniciados pela psicologia e psicanálise apontavam uma perspectiva própria, por meio da qual ela poderia elaborar suas experiências, incluindo as opressões, assédios e violências relacionados à condição feminina. Sua linguagem equilibra fundamentação objetiva, de base naturalista, e riqueza subjetiva advinda de uma enunciação filosófica e poética. A necessidade de conciliação de opostos - talvez relacionada à necessidade de negociar um lugar para si, para a sua diferença - torna marcante que todo o seu campo conceitual se estabeleça na forma de “terceiros termos”. E é aí, entre o biológico e o psíquico; entre o eu e o outro; entre a atração e a repulsa como afetos primordiais, na indiferenciação e na totalidade, onde razão e experiência se conciliam, que ela posiciona, de forma cinestésica, o seu pensamento e o conceito de erotismo. Lou Salomé descreve as relações entre os mecanismos fisiológicos, psíquicos e simbólicos da excitação erótica, desencadeadas pelo encontro com o outro, como força que mobiliza, integra e ascende o substrato da sexualidade física ao auge da consciência e da vida. Experiência subjetiva ampliada cujo desejo último é o de conexão profunda a si para alcançar a compaixão com o universo; potência criadora que se equipara ao êxtase estético e ao fervor religioso, o conceito de erotismo para Lou Salomé apresenta grande consistência para se repensar os limites entre o eu e o outro - subjetividades que se afetam por meio da mediação e do reflexo, mas que a partir destes impulsos, só podem regressar cada vez mais a si próprias.