No âmago da obra do escritor português José Saramago (1922 – 2010), reside a profundidade com que trata dos assuntos do mundo, do indivíduo, das demandas que o constituem, enfatizando com certa frequência os dilemas morais do homem comum na vida em sociedade. A partir de seu Conto da Ilha Desconhecida (1997), onde temos o vislumbre de uma história de êxito do homem comum, pretende-se ponderar acerca das reflexões implícitas no texto do autor e estabelecer relações de sentido entre as trajetórias dos personagens, todos anônimos, e os conflitos do homem pós-moderno. O Conto suscita questões no que concerne ao sujeito cuja identidade é constituída pelo ofício, sendo reconhecido como tal naquilo que exerce e, por extensão, definido igualmente pelo produto de seu labor: suas posses. O “ser” e o “ter”, em articulação com o papel que o homem desempenha em uma hierarquia de poder, são peculiaridades largamente vivenciadas e debatidas no cenário da pós-modernidade. Saramago foi crítico ferrenho nesta, e em diversas de suas obras, das adversidades que enfrenta a sociedade pós-moderna com o advento da globalização que, dentre tantas implicações, culminou na transformação de uma sociedade de produção em uma sociedade de consumo. O Conto nos possibilita ainda refletir acerca da busca do homem por sua essência, o que configura a maior inquietação do homem pós-moderno, mergulhando em profunda ruptura consigo próprio. Deparamo-nos, enfim, com a constatação de que a vida em sociedade, ironicamente, cada vez mais afasta o homem do outro e, consequentemente, de si mesmo, quando se consideram as relações de alteridade. A chegada da era da informação desencadeou uma irrefreável efemeridade nas relações humanas, quando a busca por aceitação na esfera social por meio de posses e títulos, o “ter” e o “ser”, provoca um entorpecimento momentâneo, uma ilusão de preenchimento do vazio existencial que é inerente a todos os homens.
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