Na contemporaneidade, reflete Ezio Manzini (2015), a cidadania vem se construindo por meio do fazer, do projetar – as pessoas estão paulatinamente assumindo as práticas criativas em seus cotidianos como forma de se posicionar no mundo e conduzir as adaptações e as mudanças necessárias para superar os desafios ligados à sustentabilidade do planeta. Dessa forma, podemos afirmar que projetamos a partir da complexidade. O pensamento complexo, segundo Morin (2015, p.6), “recusa as consequências mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente ofuscantes de uma simplificação que se considera reflexo do que há de real na realidade”. São pistas, conhecimentos fragmentados de diversos campos que foram estilhaçados e separados por disciplinas, que a cartografia une, como filosofia de construção de conhecimento compartilhado ou como sua expressão tangibilizada deste processo, nesta mesa redonda.
Construir cartografias implica a reflexão o seu próprio processo de construção coletiva, com os desafios do fazer compartilhado que, em cuja prática, ao ver de Suely Rolnik, “[...] abre-se para o pensamento a possibilidade de ultrapassar os limites do visível e de participar da processualidade de elaboração de cartografias e de constituição de territórios, enfrentando os impasses de sentido e para eles inventando saídas, a cada vez que se apresentam” (ROLNIK, 2006, p.74). A pesquisa cartográfica faz aparecer o “coletivo, que remete ao plano ontológico, enquanto experiência do comum e, dessa maneira, é sempre uma pesquisa-intervenção com direção participativa e inclusiva, pois potencializa saberes até então excluídos, garante a legitimidade e a importância da perspectiva do objeto e seu poder de recalcitrância” (KASTRUP; PASSOS, 2015, p.19). Desta forma, este mesa traz a experiência como instância privilegiada da construção do conhecimento e no seu bojo temos a discussão mais ampla sobre como tais modos de saber e fazer implicam uma forma diferente de construção de conhecimento, pautada na relação entre todos os atores envolvidos na pesquisa, aquilo que o antropólogo Tim Ingold denomina por conhecimento narrativo – aquele conhecimento que é desta forma por que a ele subjaz histórias de vida que o fazem ser assim, deste jeito e não de outro (INGOLD, 2011, p.168). Essa forma de se pensar a construção do conhecimento tem implicações práticas no âmbito da construção desta cartografia: autores em campo e autores do campo – pesquisadores e sujeitos da pesquisa, em um padrão tradicional – enfatizando que “a dimensão do coletivo extrapola as fronteiras preestabelecidas na divisão das disciplinas” (KASTRUP; PASSOS, 2015, p.15). Projetar nesse cenário, portanto, requer uma especial atenção direcionada ao território em questão, seus costumes, modos de vida, expectativas e tecnologias. Assim, buscamos nas falas que se seguem tais pistas de como o saber compartilhado se constrói nos territórios da ação e por meio dos atores que os constituem.