A ESSÊNCIA E A REPRESENTAÇÃO: uma análise acerca da crítica da imitação teatral em Rousseau.
Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia
No ano de 1757, D’Alembert publica para a Enciclopédia um verbete denominado Genebra no qual fazia referências aos costumes dos genebrinos e questionava a proibição do teatro em seu território sob o pretexto de proteger a juventude da potencial corrupção dos costumes acarretado pelos espetáculos teatrais. Segundo D’Alembert, Genebra estava equivocada quanto a isto e deveria, ao invés de proibir os espetáculos, ordená-los segundo suas leis. Este fato foi motivo suficiente para Rousseau tomar a pena e escrever suas objeções às opiniões de D’Alembert. Para Rousseau, os espetáculos dramáticos, nos moldes em que estão postos na modernidade, constituem-se enquanto partes integrantes do conjunto de fatores que concorreriam para a corrupção da moralidade social e para ocasionar o apagamento da “bondade natural” presente na constituição dos homens. Segundo Rousseau, as artes poéticas não guardariam mais nenhuma relação com a moralidade cívica como se poderia constatar ao se analisar as origens da tragédia grega. O nascimento da tragédia está relacionado com uma paideia, isto é, com o ideal de formação ética do cidadão tendo em vista os interesses coletivos do Estado. Diante dessa constatação, Rousseau afirma que o teatro não possui mais nenhuma função político-pedagógica. O teatro moderno, segundo Rousseau, havia perdido seu ethos político e se tornado uma “instância” corruptora dos costumes, que propaga o encorajamento do individualismo e da vaidade que subjugam a vontade à ilusão das aparências sociais em detrimento da essência humana. As críticas dirigidas aos espetáculos pelo filósofo genebrino, na referida obra, estão em consonância com o pressuposto hipotético da benevolência da natureza humana e sua consequente degeneração em sociedade. Como equivalente funcional dos espetáculos teatrais fechados, Rousseau propõe as festas cívicas ao ar livre nas quais as pessoas teriam a oportunidade de interação entre si e poderiam desfrutar do prazer da convivência simples e da amizade mútua sem qualquer distinção de ordem social. Defende-se que o ponto central da crítica de Rousseau formulada ao teatro, na Carta a D’Alembert (sem prejuízo das interpretações de ordem psicológicas ou estéticas) está amplamente fundamentado na função social das artes na medida em que o progresso destas contribuem para a formação dos hábitos e costumes dos povos civilizados. Portanto, pode-se afirmar que as artes estão indiscutivelmente associadas com a política, de modo não ser possível pensar isoladamente a estética fora do campo da filosofia social e política em Rousseau, uma vez que a questão sociopolítica atravessa a totalidade do pensamento do filósofo.