Partindo da ideia de “colorização do som” – fenômeno associado aos estereótipos criados sobre negros e brancos no mundo musical norte-americano –, desenvolvida pelo pesquisador Les Back em um texto de sua autoria presente no livro Branquidade: Identidade branca e multiculturalismo (2004), este trabalho visa se debruçar sobre a questão racial no trato com o jazz pela crítica musical brasileira dos anos 50. Para tanto, serão analisados alguns artigos da Revista de Música Popular. A RMP foi um periódico carioca que circulou entre os anos de 1954 e 1956, totalizando 14 números e que, desde sua primeira edição, se colocava em defesa da “verdadeira” e “autêntica” música popular brasileira. A revista foi idealizada e dirigida pelo jornalista Lúcio Rangel em conjunto de Pérsio de Moraes e contou com um time de críticos musicais, folcloristas (entre eles, alguns estrangeiros), cronistas, poetas, escritores, personalidades do mundo musical etc. Contudo, embora seu projeto se colocasse contra as influências musicais estrangeiras que aportavam no país por meio das programações das rádios, em todos os seus números havia, curiosamente, um espaço bastante significativo para a análise do jazz no Brasil e no mundo. Devido a essa constatação, este trabalho intenta refletir sobre o discurso de autenticidade que recaiu sobre o jazz na revista, enfocando, sobretudo, na coluna sobre jazz mantida pelo crítico musical José Sanz. Pode-se dizer que José Sanz e outros críticos, como os próprios Lúcio Rangel, Sérgio Porto e o poeta Vinícius de Moraes representavam um imaginário que foi construído historicamente sobre o samba e sobre o jazz: para eles, embora estes fossem gêneros oriundos da mistura cultural, ambos possuíam raízes africanas e, portanto, apenas seriam autênticos se e, somente se, fossem executados por negros. Esse discurso, muito presente também na literatura estrangeira especializada em jazz, defendia que apenas os negros poderiam produzir um jazz original e de qualidade. A hipótese central é de que, não apenas por influência dos discursos da crítica musical estrangeira (francesa e norte-americana), mas também por conta de uma noção de música popular como símbolo por excelência da identidade nacional brasileira (para as elites culturais, ao mesmo tempo, influenciada pelo “mito das três raças” freyreano e por uma visão purista acerca de suas raízes populares), construiu-se um ambiente crítico propício para a difusão dessa mesma visão sobre o jazz no Brasil. Esse purismo ajudaria a explicar o silêncio desses estudiosos sobre o jazz no território brasileiro, uma vez que além de serem multirraciais, as jazz-bands nacionais possuíam um longo histórico de experimentações e misturas musicais em seu repertório.