Esta pesquisa analisa os efeitos de sentido que atravessam as reformulações, por parte do Ministério da Educação (MEC), no Plano Nacional de Educação (PNE/2014) e na base Nacional Comum Curricular (BNCC/2017), no que se refere às supressões, nas versões atuais, da expressão orientação sexual e do conceito de identidade de gênero. Ancorado nos pressupostos teóricos da Análise de Discurso francesa de filiação pecheutiana, o propósito é investigar, a partir dos embargos às referidas menções, de que maneira o campo ideológico desses marcos regulatórios, responsáveis por nortear a construção curricular de mais 190 mil escolas públicas e privadas de todo o país, estão articulados com as demandas sociais de inclusão em relação às questões de gênero e transgênero. O contexto de escolha das materialidades e o interesse investigativo foram pautados pela relevância dos documentos (PNE e BNCC) que, juntos, constituem a base da organização do sistema educacional e, isoladamente, representam o conjunto de diretrizes curriculares e orientações pedagógicas aplicadas a totalidade de escolas brasileiras. A pesquisa aborda a circularidade de sentidos que resultam das alterações iniciadas em 2013, durante o processo de revisão do PNE e que culmina, posteriormente, com a elaboração do texto final da terceira versão da BNCC, em 2017. O contexto de averiguação refere-se tanto à identificação da forma como o PNE e a BNCC destacam, ou silenciam os chamados “gêneros em construção” (condições identitárias que diferem dos padrões heteronormativo e hegemônico), quanto ao tipo de articulação que ambos estabelecem com decisões documentais de outras instâncias públicas (a exemplo da autorização, a partir de 2014, para que travestis e transexuais fossem inscritos e identificados pelo nome social, maneira como preferem ser chamados, no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM). Outro exemplo é a sanção do Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, assinado pela presidenta Dilma Rousseff, que estende o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Verifica-se que, em ambos os momentos (PNE/2013 e BNCC/2017), os embargos tiveram ampla divulgação por parte da mídia nacional, tanto nos veículos diários, quanto nas publicações segmentadas, voltadas para a área educacional, com forte reação por parte de educadores contrários às supressões. Demarcar que, embora o foco deste trabalho não esteja no aprofundamento teórico acerca de conceitos relativos a gênero, transgênero, sexo, identidade e orientação sexual (que se deslocam na contemporaneidade), é necessário situá-los no que diz respeito aos sujeitos constituídos, silenciados e/ou apagados, a partir do lugar discursivo ocupado pelo MEC. Há que se considerar, portanto, não apenas onde “reside” a ilusão da transparência nos textos basilares da educação, mas o interdiscurso, o já dito e o pré-construído que determinam abordagens mais ou menos conservadoras na mediação entre aspectos da sexualidade e de gênero, na definição dos parâmetros curriculares das escolas brasileiras.
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Colóquio em Linguística e Literatura
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