Para Xavier Crettiez, em As formas da violência (2011), o debate sobre a violência está presente no núcleo de toda vida humana. Nossa sociedade pensa o fenômeno durante toda sua vida. Ao reforçarmos os esquemas de segurança de nossas casas e empresas elevando os muros, instalando cercas elétricas ou câmeras filmadoras, ao recomendarmos “Cuidado!” ou “Se cuide!” a quem sai de nossas casas, por exemplo, estamos pensando, de alguma forma, a violência. De modo mais específico, alguns grupos sociais têm sido reconhecidamente alvo preferidode violências de diversos tipos ao longo da história. Nesse contexto, por exemplo, destacam-se as mulheres, sujeitas historicamente ao que Bourdieu (2010) nomeia de dominação masculina.
A noção de violência, relacionada à de dominação masculina, avança a discussão das formas explícitas de violência física para as formas mais capciosas do fenômeno– abordagem que verticaliza a noção comum introduzida a partir de Crettiez (2011). A partir de Bourdieu (2010), pode-se dizer que a violência contra as mulheres se inscreve desde aorganização primeira da divisão do trabalho, em sociedades tribais patriarcais com a transformação da mulher em objeto de troca (BOURDIEU,2010; HAROCHE, 2013), até mais recentemente, no contexto da Modernidade tardia com a emergência do que Giddens (1993) chama de amor romântico, quando se limita o espaço de atuação feminina ao ambiente doméstico e institui-se a obrigação da maternidade, por exemplo.
A violência contra as mulheres, assim, não se restringe às formas de agressão física, cujas marcas no corpo são materialmente percebidas e (essas sim), ao longo da história, sobretudo quanto impetradas entre membros das elites, tem sido “deslegitimada” (VIRGILI, 2013), “retirada do nível do indiscutível” (BOURDIEU, 2010). Mas alcança as formas mais capciosas da violência moral, econômica, psicológica e linguística, por exemplo, inscrevendo-se nas práticas sociais e nos habitus, estruturando as sociedades (BOURDIEU, 2010; HAROCHE, 2013).
Ao longo da história, a literatura tematizou diversos tipos de violência pautados nas relações de gênero a partir de diferentes horizontes axiológicos. Na contemporaneidade obras como O conto da aia, de Margaret Atwood, A cor púrpura, de Alice Walker, Antes do baile verde, de Lygia FagundesTelles, Contos de amor rasgados, de Marina Colasanti, Mulheres empilhadas, de Patrícia Melo, Garotas mortas, de Selva Almada, Vista chinesa, de Tatiana Salem Levy são exemplos de textos que têm como temática a violência nas relações de gênero.
Considerando o aspecto constitutivo da linguagem para as relações sociais, tais produções literárias assumem papel significativo na constituição de subjetividades e das relações de gênero. Nesse sentido, a crítica sobre isso tem um papel importante na construção discursiva do tema e, por extensão, das próprias relações.
É por isso que, ao retomar as perspectivas de Pierre Bourdieu, Eurídice Figueiredo, em Por uma crítica feminista (2020, p. 17), afirma que um dos objetivos da crítica feminista de hoje é “discutir e descontruir essa visão naturalista e essencialistada relação entre os sexos inserindo a dimensão histórica”. Para que possamos compreender o ponto a que chegamos, como sociedade, em relação aos direitos das mulheres, precisamos discutir quais foram os processos históricos de formação de nossa sociedade que possibilitaram a extrema objetificação desse grupo.
Assim, o presente simpósio receberá trabalhos que abordem as relações de gênero na literatura, em diálogo com o tema da violência, não só, mas especialmente contra as mulheres, a partir de diferentes abordagens teóricas. Especificamente, podem-se considerar as seguintes temáticas como preferenciais: i) as relações de gênero no campo da produção literária; ii) narrativa e discursos misóginos, machistas, contestatórios; iii) linguagem e (re)construção de (relações de) gêneros; iv) feminicídio e violências de gênero na literatura e na cultura; v) violência de gênero contra as mulheres e temas afins.
Comissão Organizadora
Leandro de Carvalho Gomes
Critica Feminista
Algemira de Macêdo Mendes
Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza
Nayane Larissa Vieira Pinheiro
Nágila Alves da Silva
ANDRE REZENDE BENATTI
Alexandra Santos Pinheiro
Comissão Científica