A PATOLOGIZAÇÃO DA VIDA: UMA REFLEXÃO CRÍTICA A PARTIR DE O ALIENISTA E DA EXPANSÃO DOS DIAGNÓSTICOS PSIQUIÁTRICOS

  • Autor
  • FRANCISCO DENILSON DE OLIVEIRA MOTA
  • Co-autores
  • HANNA LETÍCIA CARREIRO XAVIER , ANDREZA DE SOUSA ALVES
  • Resumo
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    Introdução: Machado de Assis, em sua obra O alienista, apresenta a história de Simão Bacamarte, médico e cientista renomado que se empenhava em tratar e curar os casos de loucura que afligem a cidade de Itaguaí - RJ, onde residia. Ao longo do livro, o autor evidencia que a obsessão de Dr. Bacamarte com a loucura reflete sua própria visão de desvio da normalidade. Segundo Canguilhem (2009), a normalidade é construída com base em uma norma onde o coletivo age em conformidade com sua estrutura, e o “patológico” é tudo o que se opõe a essa norma. Dessa forma, os critérios que definem o que é patológico têm origem social e baseiam-se em regras socioculturais, em que tudo que foge do padrão normativo estabelecido, é visto como patológico. Objetivo: Esse trabalho tem como objetivo discutir as formas como, mais de um século após o lançamento do conto de Machado de Assis, continuamos em um ciclo de patologização das formas de viver, ignorando as subjetividades por trás do sofrimento psíquico e generalizando a experiência pessoal dos indivíduos em categorias nosológicas que têm se tornado parte constituinte de suas identidades. Metodologia: O método utilizado foi uma revisão bibliográfica exploratória de artigos científicos encontrados na biblioteca virtual SciELO, além da análise da obra O alienista, de Machado de Assis. Foram pesquisados os seguintes descritores: patologização da vida, DSM e diagnóstico. Dois artigos, excluindo-se estudos clínicos, foram analisados, focando na expansão dos diagnósticos psiquiátricos e seus impactos sociais. Entrevistas de especialistas, como Allen Frances, e obras relevantes, como "Holocausto Brasileiro" de Daniela Arbex, foram consultadas. A análise concentrou-se na relação entre saber científico e normatividade social. Resultados e Discussão: Vivemos um período em que a vida está cada vez mais dominada por categorias de transtornos mentais. A hegemonia psiquiátrica tem utilizado de instrumentos como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) para dividir e categorizar os diferentes tipos de desvios de uma normalidade que é socialmente estabelecida (Angel e Amaral, 2023). A primeira edição do DSM, lançada em 1952, continha 106 categorias diagnósticas, enquanto que a versão atual, o DSM-V, conta com mais de 300 psicopatologias, provocando questionamentos de como que, em menos de 80 anos, esse número pode ter triplicado (Martinhago e Caponi, 2019). É importante enfatizar que não julgamos a “veracidade” dessas categorias, mas apenas questionamos o que fundamentou suas criações. Allen Frances, diretor da elaboração do DSM-IV, em entrevista para o jornal El País, criticou a Associação Americana de Psiquiatria (APA) pela expansão no número de transtornos psicopatológicos que vieram com o DSM V.  Dr. Frances (2014) cita “o impulso agressivo e diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no sentido de introduzir novas entidades patológicas” como um dos principais motivos para esse considerável aumento. Foucault (2010), em seus cursos ministrados no Collège de France em 1975 e 1976, argumenta que o saber científico está intimamente relacionado ao poder. Para ele, não há saber sem poder e a ciência é fundamental para o exercício da biopolítica. Foucault examina como a ciência se torna o principal discurso da verdade e critica a ideia de uma ciência neutra. Na modernidade, a ciência assume o lugar de maior autoridade na determinação do que é considerado verdadeiro ou falso e o que ela afirma passa a ser tomado como verdade incontestável, o que confere aos discursos científicos uma enorme influência, tornando-os um mecanismo de controle ao definir as normas de funcionamento do corpo, da mente e da sociedade. A "verdade" científica molda as práticas médicas, educacionais e políticas, e os indivíduos são disciplinados a seguir os preceitos estabelecidos por esse saber. Isso não quer dizer que os sintomas e o sofrimento que essas pessoas apresentam não existam, pelo contrário, eles existem apesar de serem, ou não, nomeados como transtornos pelo saber científico. No Brasil, contamos com histórias como a do Holocausto Brasileiro, que matou cerca de 60 mil pessoas em um dos maiores hospitais psiquiátricos do país, encarcerando, de forma desumana, milhares de pessoas consideradas “loucas”. É importante enfatizar que 70% dessas pessoas não possuíam diagnóstico prévio de transtornos mentais, e ainda que o tivessem, não seria justificativa para o tratamento que receberam (Arbex, 2019). Caídas as barreiras físicas dos manicômios após a Reforma Psiquiátrica, nos resta um outro desafio, as barreiras discursivas, estruturadas em diagnósticos que prendem as pessoas dentro de uma categoria que generaliza o seu sofrimento e que coloca a sua subjetividade em segundo plano. Em O alienista, Machado de Assis apresenta um protagonista que faz esse movimento de patologizar qualquer comportamento que fuja de sua ótica de normalidade, e não tão diferente é o que tem sido feito na contemporaneidade. Enquanto Dr. Bacamarte nada mais era do que um homem tentando encontrar formas de tratar e curar a loucura, a indústria farmacêutica e psiquiátrica tem lucrado com esse suposto desvio da normalidade. Considerações finais: Cada dia se torna mais necessário considerar a espécie humana em sua totalidade, levando em conta a dimensão subjetiva e a singularidade do contexto de cada sujeito. É crucial legitimar os fenômenos complexos e compreender que as experiências humanas podem ter manifestações psíquicas, mantendo um olhar crítico para a crescente tendência de patologização dos comportamentos cotidianos, ao mesmo tempo em que se valoriza as individualidades. Quando se está em sofrimento, é imprescindível buscar-se ajuda profissional, no entanto, não devemos ignorar que grande parte desses sintomas também surgem de uma base social que gera o sofrimento psíquico e opera a partir dele, buscando padronizar a expressão humana por meio da patologização da diferença e movimento de retorno ao ideal de normalidade. É importante atentar para a forma, magnitude e duração de certos sintomas para que, assim como o protagonista do conto, não entremos em um ciclo de julgar como patológico tudo o que não se enquadra em um ideal de normatividade social. Sendo assim, as psicologias, independentemente de suas bases epistemológicas, devem conceber o fenômeno psíquico em uma dimensão subjetiva, sem reduzir ou generalizar a experiência do sujeito a categorias nosográficas generalistas importadas da psiquiatria descritiva norte-americana.

     

  • Palavras-chave
  • Patologização da vida; DSM; O alienista.
  • Modalidade
  • Pôster
  • Área Temática
  • Políticas e práticas em saúde mental
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Temos o prazer de disponibilizar à comunidade acadêmica os Anais do XII Encontro de Iniciação à Pesquisa, XII Encontro de Monitoria, o XIV Encontro de Pós-graduação e o V Encontro de Experiências Docentes. Aqui estão os trabalhos que foram apresentados durante o evento, que agora são compartilhados em forma de artigos digitais.

Esperamos que essa coletânea possa auxiliar em estudos e pesquisas, estimular outros alunos e professores à produção científica e dar subsídios a novas práticas em campos de atuação diversos das áreas da saúde, humanas e exatas.

Agradecemos a todos pela confiaça em compartilhar suas produções científicas em nosso evento e contamos com sua participação na próxima Conexão!.

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