INTRODUÇÃO
A esclerose múltipla (EM) é uma condição inflamatória que atinge o sistema nervoso central (CORREALE et al., 2016), é caracterizada por um processo autoimune no qual cd4+, cd5+ e células T reguladoras (TREG) e têm como alvo células cerebrais e da medula espinhal, levando a desmielinização e dano axonal (GROCHOWSKA, LASKUS, RADKOWSKI. 2019). A etiologia dessa doença ainda não está completamente elucidada, no entanto, acredita-se em uma combinação de fatores genéticos e ambientais (GROCHOWSKA, LASKUS, RADKOWSKI. 2019). Sob esse viés, os achados clínicos são fulcrais no diagnostico diferencial para EM, no qual cabe salientar importantes alterações no trato gastrointestinal (TGI).
Estudos realizados nos últimos anos em modelos animais mostraram que uma resposta imune à microbiota intestinal pode promover de forma reflexa a autoimunidade cerebral mediada pelo aumento de células T pró-inflamatórias e autoanticorpos, sob influência das células TREG, sendo enquadrado como fator de risco ambiental patogênico. (Buscarinu. et al., 2019; SCHEPICI et al. 2019). A sequenciação de RNA ribossômico 16 S da microbiota isolada dos tecidos intestinais delgados evidenciam aumento do filo Firmicutes e uma diminuição do filo Bacteroidetes em pacientes com EM na fase de recaída em comparação com pacientes com EM na fase normal (SCHEPICI et al. 2019). Dessa maneira, a literatura aponta as alterações no TGI como fatores de risco para EM (Buscarinu. et al., 2019; SCHEPICI et al., 2019).
Existe uma gama de tratamentos para EM, haja vista a necessidade de terapia direcionada altamente eficaz com um perfil benefício-risco favorável e um alto nível de adesão ao tratamento (PATTI. et al., 2018). O tratamento para esclerose múltipla tem muitas variáveis, mas a primeira linha envolve o de fármacos como beta interferona 1a e 1b, teriflunamida e glatirama, além de outros como a administração de probióticos (ZADEH. et al., 2019; ZADEH. et al., 2019). Segundo a literatura atual, alguns desses tratamentos apresentam efeitos adversos variados, sendo um deles alterações do TGI.
METODOLOGIA
A presente pesquisa trata-se de uma revisão sistemática, de cunho analítico. Os resultados foram obtidos a partir de artigos das plataformas de dados online PubMed e MEDline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), tendo como descritores “multiple sclerosis”, “gut” e “treatment”. A estratégia de busca incluiu os descritores propostos no DeCS -Descritores em ciências da saúde.
Os critérios de exclusão foram o ano de publicação – os artigos utilizados foram publicados nos anos de 2016 a 2019 – e a inadequação do artigo com o tema da pesquisa. Em contrapartida, os critérios de inclusão foram a ausência de algum dos fatores de exclusão supracitados.
Utilizando o descritores, foram disponibilizados pela plataformas 100 artigos, desses, 50 foram selecionados por relacionar trato gastrointestinal e esclerose múltipla, o critério da terceira seleção foi os artigos que traziam alterações gastrointestinais como fator de risco para o surgimento de esclerose múltipla, levando em consideração que todos foram selecionados tendo como base a relevância com o tema e atualidade. O estudo ocorreu entre os meses de agosto a outubro.
OBJETIVO
Analisar a relação entre as alterações gastrointestinais e o surgimento de esclerose múltipla, bem como a correspondência entre essas alterações e as estratégias terapêuticas utilizadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A associação entre EM e alterações no TGI advém da complexidade estrutural da superfície intestinal. O papel da barreira gastrointestinal depende de três componentes: a camada de muco, que contribui para separar a microbiota da parte superior do epitélio, as células epiteliais com junção estanque (TJ), que regulam a permeabilidade paracelular, e o componente imunológico, que inclui células M e alongamentos das células apresentadoras de antígeno que habitam a lâmina própria, varrendo os antígenos luminais, linfócitos intraepiteliais e Células Paneth, de modo a secretar peptídeos antibacterianos (BUSCARINO. et. al. 2019).
A passagem de substâncias através dessa barreira é possível graças a mecanismos de transporte transcelulares ou paracelulares. O primeiro está intimamente relacionado à presença de transportadores seletivos, o segundo está sob o controle das proteínas que compõem o TJ. O TJ pode se adaptar de acordo com os diferentes sinais provenientes do ambiente intra e extracelular, como fatores alimentares, composição da microbiota, citocinas, enzimas e fatores de crescimento. O Sistema nervoso entérico, constituído por gânglios de neurônios entéricos e células gliais capazes de liberar importantes mediadores no reparo, proliferação celular, diferenciação epitelial e alterações da TJ, regula a permeabilidade intestinal (PI) e representa um caminho de comunicação entre o microambiente intestinal e o SNC. Estudos recentes enfatizaram as conexões ascendentes, que ocorrem através de tecido neuroendócrino, como células enterocromafinas e mecanismos neuroimunes, que frequentemente envolvem o nervo vago. (BUSCARINO. et. al. 2019).
Há evidências crescentes de que um papel importante pode ser desempenhado por alterações na microbiota intestinal (disbiose), acredita-se que essas alterações podem causar um estado pró-inflamatório, resultando em danos no SNC, cujo ponto culminante é o desenvolvimento de EM. As espécies de bactérias que provavelmente estão envolvidas são Helicobacter, Clostridium e Enterococcus. Também foi demonstrado que as bactérias segmentares podem ativar as células Th17 intestinais, que promovem autoimunidade sistêmica e participam da resposta imune contra patógenos intestinais (GROCHOWSKA, LASKUS, RADKOWSKI. 2019).
Alguns autores tentaram definir assinaturas metagenômicas de microbiotas associados à EM. Esses autores relataram maior proporção de Firmicutes / Bacteroidetes, aumento de estreptococos e diminuição de cepas de Prevotella em pacientes com doença ativa em relação a grupos controle, aumento da Akkermansia muciniphila, Acinetobacter calcoaceticus, e Parabacteroides distasonis reduzida em pacientes afetados comparados a grupos controle (BUSCARINO. et. al. 2019).
Dessa maneira, também pode ser observado uma relação entre as estratégias terapêuticas e a fisiopatologia da EM. Estudos sobre o papel da microbiota intestinal em experimentos encefalomielite autoimune (EAE), que é o modelo animal mais amplamente utilizado de EM, mostraram que o tratamento oral com ampicilina, vancomicina, neomicina, sulfato e metronidazol pode atrasar o início e reduzir a gravidade de doença, diminuir os níveis de citocinas pró-inflamatórias e aumentar os níveis de interleucina (IL) -10 e IL-13. Os efeitos da alteração da microbiota de seres humanos no EAE são uma abordagem para avaliar o impacto da disbiose ou bactérias comensais na neuroinflamação (GROCHOWSKA, LASKUS, RADKOWSKI. 2019).
A administração de probióticos (Lactobacillus casei, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus reuteni, Bifdobacterium bifdum e Streptococcus thrmeophilus) antes da indução de EAE resultou em seu atraso no início e curso mais ameno. Em outro experimento, o tratamento com probióticos contendo Lactobacillus paracasei e L. plantarum suprimiram o desenvolvimento de EAE e reduziram a gravidade dos sintomas clínicos, enquanto aumentam o número de células Treg nas células mesentéricas, linfonodos e aumento da produção de transformadores fator de crescimento ?1 e IL-27 (GROCHOWSKA, LASKUS, RADKOWSKI. 2019).
Os efeitos das intervenções terapêuticas da microbiota em seres humanos não foram estudados extensivamente. No entanto, em pacientes submetidos a transplante de microbiota fecal, a EM apresentou melhora dos sintomas neurológicos assim como da qualidade de vida, no entanto, esses estudos são poucos para serem conclusivos. Deve ser enfatizado que escolhas pouco saudáveis ??de estilo de vida, como alto consumo de sal, gordura animal, carboidratos e baixa atividade física afetam negativamente a composição e o metabolismo da microbiota intestinal, levando à exacerbação dos sintomas da EM (GROCHOWSKA, LASKUS, RADKOWSKI. 2019).
No cenário hodierno, o tratamento da esclerose múltipla é recomendado apenas para as formas esclerose múltipla remitente recorrente (EM-RR) e esclerose múltipla secundariamente progressiva (EM-SP), pois não foi evidenciado cientificamente que há benefício para as demais formas. O tratamento deve ser feito com uma das opções entre o glatirâmer, betainterferonas (1a ou 1b) ou com teriflunomida, além de outros fármacos, que devem ser utilizados em casos de pouca adesão às formas parenterais, sendo uma opção menos eficaz em relação às de primeira linha (BRASIL. 2016). Dentre esses, a betainterferona, que atua nas células endoteliais da barreira hemato-encefálica, foi o primeiro medicamento a demonstrar, por meio de ensaios clínicos, eficácia sem demonstrar diferença entre sexos, e é a referência no tratamento da EM (ZADEH. et. al. 2019; ZADEH. et. al. 2019). Entre os efeitos adversos mais comuns de sua forma 1a, estão alguns de cunho gastrointestinais, como náusea e diarréia, já em sua forma 1b não foram detectados tais sintomas (BRASIL. 2016). Já a respeito de do glatirâmer, que atua na ligação às principais moléculas do complexo de histocompatibilidade classe II, não foram detectados esses sintomas. Por fim, a teriflunomida, que realiza uma inibição não competitiva e reversível da enzima mitocondrial di-hidro-orotato desidrogenase, ao contrário do glatirâmer, apresenta uma alta incidência de sinais gastrointestinais, como dor abdominal, diarreia e náuseas (ZADEH. et. al. 2019; ZADEH. et. al. 2019).
CONCLUSÃO
As alterações de permeabilidade e a disbiose aparecem como eventos praticamente co-ocorrentes, que desencadeiam um círculo vicioso, levando a cascatas patogênicas nos tecidos intestinais e distantes. No entanto, investigações sobre essas alterações são relativamente raras em na esclerose múltipla, especialmente na forma humana, enquanto os estudos sobre disbiose são muito mais numerosos, de modo que as alterações da microbiota foram mais profundamente investigadas. Destarte, dois pontos devem ser enfatizados: os possíveis efeitos da modificação barreira intestinal na patogênese da doença, e o potencial terapêutico em abordagens destinadas a antagonizar essas modificações na barreira por meio de estabilizadores ou melhoradores da integridade intestinal. Embora existam estudos sobre o potencial terapêutico para a EM por meio da modulação da barreira intestinal, da microbiota intestinal e da interação entre os dois, essas pesquisas, embora plausíveis, parecem indiretas e o papel na resposta clínica ainda não foi estabelecido.
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