FEDERALISMO E GESTÃO DEMOCRÁTICA: DISPUTAS, CONCEPÇÕES E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

  • Autor
  • Rodrigo Ferreira RODRIGUES
  • Co-autores
  • Charla Barbosa de Oliveira Macedo de CAMPOS,
  • Resumo
  • INTRODUÇÃO

    Organizamos nossa reflexão sob dois elementos relevantes: a questão federativa e a garantia do direito à educação pela via da gestão democrática.

    O primeiro refere-se à forma e organização do Estado, mecanismos, relações intergovernamentais e interfederativa que situam a gestão democrática como forma de participação social no processo de implementação de políticas sociais, em destaque às políticas educacionais e o esvaziamento deste a partir de valores impostos sob lógicas de outros segmentos.

    Consideramos que a pactuação social federativa se desdobra e realiza efetivamente no segundo elemento no papel e mecanismo de Estado para a garantia da gestão democrática na educação e, no que tange a essa reflexão, ao estreitamento desse direito nas políticas e práticas recentes.

    Analisamos, ainda que em forma de aproximação, a complexidade do federalismo brasileiro no desenho das políticas educacionais em espaços e tensões institucionais que configuram o contexto atual e recente das políticas educacionais, sublinhando rupturas com o processo de afirmação do federalismo cooperativo pela via da gestão democrática.

    Assim, é preciso destacar que no caso brasileiro a opção pelo federalismo de três níveis é fruto de uma conjuntura histórica e política de grandes indefinições conceituais e práticas que assumem diferentes formas desde a proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil (1889) até sua configuração atual na Constituição Federal de 1988, constituindo-se em movimento pendular entre centralização e descentralização em processos de estabilidades do pacto federativo.

    Essa tensão entre centralização e descentralização e a forma de colaboração ou relacionamento entre a União e os demais entes federados é fundamental para compreender-se a política educacional. Ainda que brevemente, é pertinente analisar essa temática em perspectiva histórica. (OLIVEIRA e SOUZA, 2010, p. 14)

    Essa característica republicana significa uma “horizontalidade” das funções republicanas consideradas na independência e harmonia dos poderes e níveis de governo entre si (art. 2º da CF 1988).

    Assim o Estado Brasileiro constitui-se de maneira desconcentrada (característica própria de uma república) e descentralizada, ou seja, distribuído em três níveis diversos, autônomos e cooperativos: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, cada qual com suas competências (comuns e concorrentes) previstas constitucionalmente.

    No que se refere à gestão democrática a CF 1988 também faz referência a este principio quando estabelece no artigo 206 os princípios que orientaram a oferta do ensino e da educação pública e indica no inciso VI a “gestão democrática (...), na forma da lei” (BRASIL, 1988).

    Outros textos normativos importantes a essas concepções podem ser identificados na Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - BRASIL, 1996) e na Lei 13005/2015 (Estabelece o Plano Nacional de Educação – PNE, BRASIL, 2015) esta última, vale ressaltar que fruto de outra conjuntura histórica de tensões políticas à área.

    Apenas para destacar, a LDB reforça o caráter da “VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino” (art. 3) e autonomia dos sistemas em definir

    (...) normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (artigo 14, BRASIL, 1996 – grifo nosso)

    Além disso não podemos nos furtar de reconhecer a gestão democrática como princípio também inscrita no PNE atual que dedica uma de suas metas (19) a assegurar condições à gestão democrática como princípio e prática norteadora da realização das políticas educacionais.

    É consenso que o movimento pela retomada da democracia, na década de 1980, as lutas pelas liberdades democráticas emanadas pela mobilização social organizada avançou em princípios que direcionavam para o cumprimento do direito à educação e à gestão democrática nos quais a atuação do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), sua participação na Assembléia Nacional Constituinte (ANC) e a proposição da Gestão Democrática (GD) na escola foram relevantes.

    De acordo com Pinheiro (2015), a origem da GD está no processo de participação do FNDEP vinculado aos partidos de frente popular que levaram as discussões na Constituição Federal de 1988. Composto por várias entidades representativas dos segmentos da comunidade acadêmica e dos trabalhadores em geral se constituiu como desdobramento dessas mobilizações, articulando-se como força política importante durante o processo de elaboração do capítulo sobre educação presente na CF/88.

    Para, Licínio Lima:

    Nesse contexto, os órgãos colegiados, democraticamente eleitos e democraticamente escrutinados, exercem uma autonomia assente na participação ativa, no debate e no diálogo, em práticas de democracia direta, sempre que possível e adequado, e em práticas de democracia representativa, assim reforçando o autogoverno escolar e a autogestão pedagógica, inscrevendo-se numa política e num sistema escolar nacional, mas favorecendo a diversidade de práticas e os processos de deslocação do poder para as escolas. (LIMA, 2014, p. 1074).

    O arranjo federativo assim favorece a gestão democrática fortalecendo a constituição em colegiados, de toda comunidade escolar, para que se tornem agentes de participação social dos processos decisórios e reguladores das práticas educacionais.

    Reconhecemos que desde as reformas dos anos 1990 temos movimentos de tensionamentos, redefinição e reorganização do Estado, com uma tendência cada vez mais de aproximações gerencialista do setor privado/empresarial que no caso específico da educação tem recebido apoio e incentivos do setor para um alinhamento orgânico de princípios e valores.

    É nessa perspectiva que trabalhos como os de Adrião (2016, 2018), Peroni (2015) e Shiroma (2015, 2016) analisam a “privatização” indireta da educação pública no Brasil no contexto da financeirização econômica e da atuação das organizações de interesses empresariais em programas e políticas públicas nos diferentes níveis de governo.

    Destarte, no Brasil a privatização da educação não ocorre com a transferência direta das instituições de ensino público para exploração à iniciativa privada mas em formas híbridas e complexas de interação entre o público e o privado alinhando princípios diversos dentre os quais sublinhamos a gestão democrática distorcida sob a égide da governança (conceito associado à governança corporativa e que pouco significa à gestão democrática e participativa da sociedade como se concebe às políticas sociais) nos marcos teóricos da Nova Gestão Pública (NGP) ou New Public Management difundida com base instrumental gerencialista.

    Este tipo específico de ação da NGP quanto às políticas federativas educacionais ganhou contornos no Brasil a partir da implementação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE - BRASIL, 2007), materializaram-se posteriormente com a institucionalização dos Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE) e atualmente sendo massivamente induzidas por diversas instituições e fundações empresariais.

    A gestão democrática concebida ao longo dos anos por meio da implementação de macro políticas tem sido gradativamente anulada e silenciada na discussão e definição de políticas educacionais como podemos reconhecer na reconfiguração recente do FNE e na redefinição de calendário à realização da CONAE (Conferência Nacional de Educação) pela Portaria 557/2016 e ainda pelo Decreto Presidencial de 27/04. Medidas recentes tomadas pelo governo e que foram consideradas por mais de 50 entidades componentes do Fórum, como arbitrárias e autoritárias fazendo com que fossem amplamente divulgadas e repudiadas por inviabilizarem a realização de uma CONAE/2018 democrática.

    É diante desse cenário, que demanda forte contraposição, que se mobiliza esta Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE), como instrumento de resistência em defesa dos avanços e dos espaços de interlocução conquistados após décadas de muita luta e que agora estão sendo destruídos e/ou usurpados pelo atual golpe político, ao qual não interessa o fortalecimento de uma educação pública, laica, democrática, inclusiva, crítica e de qualidade socialmente referenciada. (CONAPE, 2017)

    Dessa forma, percebemos que as ações (e reformas) educacionais realizadas pelo atual governo federal (desde o Golpe de 2016) trazem em seus princípios, uma prática de alijamento social da participação popular que segrega e discrimina o pensamento divergente e diverge do princípio federativo, cooperativo e da gestão democrática como se estabelece na CF 1988 e em tantos outros atos normativos do Estado Brasileiro.

    E vão sendo reproduzidas e desdobradas em práticas de gestão em outras perspectivas também no âmbito Estadual e Municipal em várias regiões pelo país.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Ao abordarmos a relação entre Federalismo e gestão democrática sublinhamos o aspecto da participação popular como mecanismo historicamente construído na arquitetura do Estado federativo brasileiro como forma de expressão da democracia ativa nas políticas educacionais e no interior de nossas escolas como princípio norteador das práticas e exercício de formação e de cidadania.

    A compreensão e distorção de Educação como direito ressignificado como serviço, vem também gradativamente e historicamente substituindo nossa compreensão de direito pela oferta e esvaziando os significados de participação autônoma, livre e crítica dos direitos sociais.

    O aparelhamento de nossos conselhos municipais, estaduais, nacional e escolares de educação é um exemplo de como formas gerencialista de “governança” da educação constituem e tomam nosso espaço na gestão de uma prática social tão importante à garantia de nosso Estado e de nossos direitos.

    Diante do histórico de luta pela democratização do país vivenciado na década de 80, nossos esforços pela manutenção e garantia dos processos democráticos no Brasil encontra muitos dilemas e tensões para superar a correlação de forças políticas e ideologias que se mostram desfavoráveis às práticas democráticas e de participação.

    O que não diminui nossa esperança de que há futuro para a democracia brasileira, mas ela passa pelas mãos da cidadania crítica e reativa desvelada na resistência ainda mais vigilante e esclarecida nos tempos obscuros que vivemos.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    ADRIÃO, T. M. F; GARCIA, T. O. G. Educação a domicílio: o mercado bate à sua porta. RETRATOS DA ESCOLA, v. 11, p. 433, 2018.

    ADRIÃO, T. M.; PINTO, J. M. R. PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NA AMÉRICA LATINA: ESTRATÉGIAS RECENTES EM DESTAQUE. Educação e Sociedade, v. 37, p. 11-15, 2016.

    CONAPE. ANPED. Associação Nacional de pós-graduação e pesquisa em educação. Manifesto de Lançamento da CONAPE 2018. Acesso em 19 de agosto de 2018.

    PERONI, V. M V. (Org.). Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado nas fronteiras entre o público e o privado na educação. São Leopoldo: Oikos, 2015.

    SHIROMA, E. O. O ESTADO COMO CLIENTE: INTERESSES EMPRESARIAIS NA COPRODUÇÃO DA INSPEÇÃO ESCOLAR. Trabalho Necessário, v. 22, p. 57-79, 2015.

    BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Portal do Planalto – Presidência da República. Acesso em 20 de julho de 2018.

    BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Acesso em: 16 de agosto de 2018.

    BRASIL. Portal do Ministério da Educação (MEC). Plano Nacional de Educação (PNE). Acesso em: Acesso em: 16 de agosto de 2018.

    BRASIL. Portal do Ministério da Educação (MEC). Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Acesso em: 16 de agosto de 2018.

    LIMA, L. C. A escola como categoria na pesquisa em educação. UNISINOS. 12 (2): 82 - 88. maio/ago. 2014.

    OLIVEIRA, R. P. de; SOUZA, S. Z. O federalismo e sua relação com a educação no Brasil. In. OLIVEIRA, R. P. de; SANTANA, W. (Orgs). Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir as diversidades. Brasília. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).  2010.

    PINHEIRO, C. M. O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e o princípio de gestão democrática na Constituição Federal de 1988. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2015.

  • Palavras-chave
  • Federalismo, Gestão democrática, Participação
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • EIXO 2 – Federalismo e gestão democrática da educação (Básica e Superior)
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A 3ª edição do Seminário “Federalismo e Políticas Educacionais” é uma realização do Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais em parceria com o Grupo Espaços Deliberativos e Governança Pública do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Gegop-Clacso), a seção estadual da Associação Brasileira de Política e Administração da Educação (Anpae-ES) e o Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo, contando com o apoio da rede Clacso.

Com o objetivo de debater os 30 anos da Constituição brasileira e os desafios para a afirmação do Estado democrático de direito,  do federalismo cooperativo e da educação como direito social de cidadania. A partir do tema “Para onde vai a Democracia? O Brasil após 30 anos da Constituição de 1988” o evento se propõe a congregar pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, professores da educação básica e superior, estudantes, gestores e outros interessados para um balanço do Estado democrático de direito e para uma análise de conjuntura das políticas públicas, em geral, e das políticas educacionais, especificamente, no cenário de incertezas diante da crise política, institucional e econômica atual nas mesas, conferências, palestras e apresentações de trabalho.

Assim o evento realizou uma chamada pública e ampliada para pesquisadores das mais diferentes áreas submeterem suas produções à avaliação da Comissão Científica que avaliou os trabalhos em sua relevância e aproximação ao escopo do evento e à qualidade teórica, instrumental, argumentativa e discursiva para as Comunicações orais que se realizarão.

Desse modo os anais ora apresentados compõe importante sistematização das obras que serão discutidas e compartilhadas no evento.

Sejam bem-vindos/as ao nosso evento!

Sejam bem-vindos/as à Vitória!

 

Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais

REGRAS PARA SUBMISSÃO DE COMUNICAÇÃO ORAL:
 
O texto completo deverá conter entre 10.000 e 13.000 caracteres, nestes devem estar contidos: título, resumo, introdução/problematização, metodologia, resultados e referências bibliográficas.
Acompanhar um resumo de no máximo 1300 caracteres.
O texto deve indicar 3 palavras-chave.
Serão admitidos, no máximo, um (a) autor (a) e até três co-autores(as) por trabalho (TODOS devem estar com inscrição paga e confirmada pelo sistema). Não haverá devolução do valor de inscrição em nenhum dos casos.
Na fase de submissão é imprescíndível que os trabalhos sejam apresentados anonimamente, sem referências identificação de autoria.

 

ORIENTAÇÕES PARA APRESENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO ORAL:


1 -   Elabore a apresentação da Comunicação oral, contendo os mesmos itens do resumo expandido (título, autores, introdução/problematização, metodologia, resultados e referências).

2 - Você deverá confeccionar até oito slides para a apresentação oral, utilizando o modelo disponibilizado: (Template Slides.ppt - anexo)

3 - As apresentações ocorrerão no dia 01/11, entre 14:00 e 18:00, conforme atribuição de salas por eixo temático. 

4 - O tempo de apresentação é de no máximo 15min e estarão disponíveis notebook e projetor multimídia para arquivos em formato .pdf.

  • EIXO 1 – Federalismo, políticas educacionais e financiamento
  • EIXO 2 – Federalismo e gestão democrática da educação (Básica e Superior)
  • EIXO 3 A – Federalismo, regime de colaboração e organização da educação básica
  • EIXO 4 – Federalismo, políticas curriculares e de avaliação
  • Eixo 5 A – Federalismo, modalidades de ensino e práticas pedagógicas (Educação Especial, Educação do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, Educação à distância)
  • EIXO 6 - Federalismo, democracia e disputas entre o público e o privado
  • EIXO 3 B – Federalismo, regime de colaboração e organização da educação básica
  • Eixo 5 B – Federalismo, modalidades de ensino e práticas pedagógicas (Educação Especial, Educação do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, Educação à distância)
Caroline Falco Fernandes Valpassos COORDENAÇÃO COMISSÃO CIENTÍFICA (ANPAE-ES)
Andressa Mafezoni Caetano PPGMPE / UFES
Dulcinea Campos Silva PPGMPE / UFES
Eduardo Augusto Moscon de Oliveira LAGEBES
Elimar Leal ANFOPE-ES
Flávia Costa Lima Dubberstein SEME - CARIACICA
Itamar Mendes da Silva PPGMPE / UFES
Lara Carlette UEPG
Larissa Ferreira Rodrigues PPGMPE / UFES
Luana Almeida UNIVAS
Marcelo Lima PPGE / UFES
Michele Pazolini IFES
Rodrigo Ferreira Rodrigues ANPAE-ES
Sandra Kretli da Silva PPGMPE / UFES
Simone Cassini PMSM
Simone Smiderle PPGE / UFES
Suzany Goulart CE - UFES / ANFOPE
Tatiana das Merces PPGE / UFES
Tatiana Peterle PPGE / UFES
Vitor Gomes PPGMPE / UFES

 

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