AS ORIENTAÇÕES CURRICULARES DO MUNICÍPIO DE SERRA E A BNCC EM DEBATE: EXPERIÊNCIAS PRÁTICASPOLÍTICAS VIVIDASPRATICADAS EM REDES DE CONVERSAÇÃO E FORMAÇÃO DE/COM PROFESSORES
Resumo:
O presente texto objetiva ressoar experiências vividaspraticadas[1] e compartilhadas por entre as redes de conversações (CARVALHO, 2009) tecidas em espaçostempos de formação de professores do 5º ano do ensino fundamental no município de Serra. Capturadas pela perspectiva de um dos praticantespensantes enredados nessas redes de conversações e formação docente. Espaçostempos nos quais as Orientações Curriculares do Município de Serra e a BNCC[2] foram problematizadas fazendo emergir composições possíveis para a ideia de currículo[3].
Introdução/Problematização:
Desde o início do ano letivo de 2018, a seguinte questão ronda as escolas do município de Serra: “Agora, com a BNCC, devemos abandonar as Orientações Curriculares do município e seguir aquilo que a Base traz?”. O que implicou na emergência de uma ação de formação docente capaz de reunir a comunidade[4] de professoras(es) atuantes no Ensino Fundamental em escolas públicas municipais de Serra, para debater a respeito de políticas curriculares e currículo. Um movimento amplo do qual este texto traz um recorte: tessituras compostas nos espaçostempos de formação de docentes MaPA[5] atuantes em turmas do 5º ano do Ensino Fundamental.
Tais encontros tiveram como principal aposta a de entrever a BNCC através das Orientações Curriculares do Município de Serra por meio de redes de Conversações e Ações complexas, que segundo Carvalho (2009, p.188-189) utilizam “[...] metodologicamente as conversações como uma tática da discursividade local, acompanhando os fluxos das conversações tecidas em redes de subjetividades compartilhadas”. Possibilitando discutir práticaspolíticas possíveis para os currículos nos cotidianos escolares.
A composição do documento, Orientação Curricular de Educação Infantil e Ensino Fundamental: Articulando Saberes, Tecendo Diálogos, se deu por meio de amplo debate e participação docente, entre os anos de 2006 e 2008. E tenciona estilhaçar a concepção de escola homogênea, prescritora dos mesmos sentidos e objetivos para todos (SERRA, 2008), alçando fomentar a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, antes que por submissão e hierarquização de competências extraordinárias, verticalmente impostas e politicamente centradas (CARVALHO; SILVA; DELBONI, 2017). Assim, compreendendo o conhecimento como experiência histórica e culturalmente vividaproduzida, com potência para proliferar novas compreensões sobre o mundo, novas sociabilidades e novas escolhas frente à vida (SERRA, 2008).
Um documento, portanto, bastante distinto da BNCC no que se refere ao processo de composição, estrutura e objetivos, uma vez que a BNCC tal qual está posta configura-se no intento de atender ao que as forças econômicas, políticas e sociais dominantes desejam, enquadrando os sujeitos de acordo com medidas pelas quais a aprendizagem é transmutada em competências que objetivam a obtenção de qualificações garantidoras da empregabilidade máxima, o que num círculo viciado e vicioso, é transformado/transportado para itens (descritores) utilizados para aferição de “desempenho” em avaliações de larga escala (CARVALHO; SILVA; DELBONI, 2017).
Distinção que fomentou nas redes de conversações, potentes debates/problematizações a respeito de currículo, onde diversos saberesfazeres tiveram suas imagens/significados/sentidos ali trazidos à tona por meio do trabalho coletivo reflexivo, negociado, compartilhado, que permitiu o intercambiamento de experiências, como um compromisso político-social (RODRIGUES, 2015). Debates sobre as diversas ideias e entendimentos a respeito de currículo que perpassam os cotidianos escolares, em busca de alargar possibilidades mais ético-políticas e democráticas para as produções de currículos prescritos, vividos e compartilhados.
Nesse sentido, essa escrita pretende fazer ecoar as vozes de professores em formação no Município de Serra, baseada nos processos metodológicos da tessitura de redes de conversações (CARVALHO, 2009). As quais buscam alinhavar experiências e narrativas que forçam o pensamento a buscar o caráter ético-político da produção dos currículos nos cotidianos escolares. Aposta na ampliação do debate curricular para além da simples execução da BNCC:
-“Mas então quer dizer que a BNCC não é o currículo a ser seguido partir de 2019?”
-“A BNCC é no máximo parte do currículo, uma influência. Quem define o currículo a ser trabalhado com a turma são os alunos e o professor. A BNCC não conhece meus alunos.”
-“Eu até gostei da lista de conteúdos da base, é bom para planejar as aulas. Já está tudo ali certinho, não preciso ficar batendo cabeça sobre o que devo trabalhar com meus alunos.”
-“Pra mim a base é uma afronta à autonomia do professor. Depois cobram protagonismo docente!”
Corroborando Macedo (2018), acreditamos que políticas públicas não dependem exclusivamente do caráter de produzir respostas centralizadas para serem públicas. As respostas podem e devem ser gestadas nos espaçostempos em que as intervenções acontecem. Desde que haja valorização e ampla participação dos atores envolvidos e financiamento adequado para tal.
Metodologia:
Compor com/entre os docentes, por meio da tessitura de redes de conversações, se baseia na ideia de fazer com o outro – de modo intensivo – tencionando provocar movimentos de compartilhamentos, de escuta sensível, de partilha de angústias, de problematizações e de experimentação das diferenças enquanto aspectos teóricopráticos. Conversação que requer ser criada e sustentada pela participação ativa e criativa daqueles enredados, combinando: poética de participação e sociabilidade, articulando vozes e assuntos (CARVALHO, 2009).
Tendo essas redes sido tecidas em 24 espaçostempos distintos entre março e agosto de 2018, envolvendo 223 docentes distribuídos em 8 grupos (definidos de acordo com o turno de trabalho e a localização da escola de atuação) com uma média de 28 participantes por encontro. Apostando radicalmente, sem garantias e sem certezas, no comprometimento com a tradução contextual da BNCC, na produção contextual do currículo (LOPES, 2018).
Propondo em cada encontro, a organização do tempo em dois momentos: primeiramente uma breve introdução/problematização sobre o tema disparador, seguida do engendramento das redes de conversações culminando na socialização/discussão a respeito do que emergiu dessas redes. Sendo que no primeiro encontro foram problematizados os conceitos de competência e habilidade, a estrutura da BNCC e as competências gerais, buscando possíveis aproximações com o cotidiano da sala de aula.
E, nos encontros seguintes, as habilidades que a BNCC aponta como essenciais foram analisadas à luz das Orientações Curriculares do Município de Serra. Tecendo redes de conversações entre docentes no intento de problematizar as concepções de currículo que perpassam os cotidianos escolares. Realizando “Bordejos teoricopráticos em linhas de virtualidades, realidades sociais e de atualizações de experiências, sentidos e conhecimentos [...]” (RODRIGUES, 2015, p.26).
Resultados:
-“A provocação aqui é pensar a Orientação Curricular do município como um prisma através do qual tentaremos enxergar a base.”
-“Então é a base que vai ser “entortada” pela Orientação Curricular? Pensava que seria o contrário.”
-“Trata-se de um movimento de resistência, de dizer: aqui na Serra já temos currículo!”
-“Para mim a Orientação do município e a Base conversam bem.”
-“Como assim? A Base traz os conteúdos listados e indica até quando devem ser trabalhados. A Orientação não tem nada disso.”
-“Sem dúvida são documentos com trajetórias, propostas e intenções diferentes.”
-“Mas em 2019 em qual documento eu devo me embasar para elaborar meu Plano de Ensino?”
Ao longo desse percurso formativo, uma “caixa de ferramentas” (DELEUZE, In FOUCAULT 1979), foi inventada e negociada para que a mobilização de diferentes teorias e práticas fizesse revezar e abrir o pensamento para a não fixação de apenas um modelo de verdade sobre currículo escolar e a tessitura de processos e das relações educativas (RODRIGUES, 2015). Caixa esta, que abarca o estudo de concepções teóricas, metodológicas, de práticas pedagógicas, de vozes, de imagens, de afetos e de vidas, que no intercambiamento de experiências docentes, mobilizam singularidades e criam ações de coletividades sobre o currículo e a formação docente.
Apostando, conforme aponta Lopes (2018), que não é possível desconectar o currículo de demandas contextuais/cotidianas que emergem facilmente por meio das relações/redes construídas/tecidas no âmbito dos sistemas educativos intermediários (estaduais e municipais) os quais se dirigem mais diretamente às escolas:
-“A escritura na qual o currículo se apresenta com maior similaridade ao currículo real e cotidiano é o Plano de Ensino, repleto de rasuras, de observações e revisões, elaborado por cada docente.”
Sendo, impossível capturar integralmente o currículo vividopraticado por/com uma determinada turma, aprisionando-o numa escritura.
-“Nem se tivesse uma pessoa vigiando a gente em sala de aula e tomando notas o tempo todo seria possível captar toda a dimensão do currículo. E sabe por quê? Porque a pessoa pisca, e quando ela pisca o inesperado e surpreendente do currículo acontece!”
Desse modo, a narrativa expressa nessas linhas de escrita alinhava o debate e os movimentos de tradução elaborados nas redes de conversações e de formação de professores. Experiências de produção curricular que atravessam o debate da BNCC e se colocam um modo possível de análise, de reorganização de ideias, de apostas éticas, políticas e democráticas de uma “arte de viver”. Capaz, segundo (CARVALHO; SILVA; DELBONI, 2017) de fazer “[...] proliferar, compor e justapor aprendizagens e formações intensificadoras do movimento do pensamento; uma práticapolítica que se faça em redes de conversações a partir de uma multiplicidade de encontros”, já que se fazem junto/com os sujeitos praticantes dos currículos escolares. Trazendo recorte de um movimento de formação continuada bem mais amplo, que propiciou encontros e redes de conversações entre os docentes MaPA de toda a etapa inicial do Ensino Fundamental atuantes em escolas municipais de Serra.
Referências:
CARVALHO, Janete M. Cotidiano escolar como comunidade de afetos. Petrópolis, RJ: DP et Alii; Brasília, DF: CNPq, 2009.
__________, Janete Magalhães; DELBONI, Tânia Mara Zanotti Guerra Frizzera; SILVA, Sandra Kretli. A Base Nacional Comum Curricular e a produção biopolítica da educação como formação de “capital humano”. Revista e-Curriculum, São Paulo, v.15, n.2, p. 481-503. 2017. Disponível em < https://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/27679>. Acesso em: 25 abr. 2018.
DELEUZE, Gilles. Os intelectuais e o poder: conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze. In: Microfísica do poder. Organização e tradução: Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
LOPES, Alice Casimiro. Apostando na produção contextual do currículo. In: AGUIAR, Márcia Angela da Silva; DOURADO, Luiz Fernandes. (org.) A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: ANPAE, 2018. p. 23-27.
MACEDO, Elizabeth. “A base é a base”. E o currículo o que é?. In: AGUIAR, Márcia Angela da Silva; DOURADO, Luiz Fernandes. (org.) A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: ANPAE, 2018. p.28-33.
RODRIGUES, Larissa Ferreira. Entre imagens cinema e imagens escola, movimentando o pensamento com a formação de professores. 2015. 68 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015. 233 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015.
SERRA, Prefeitura Municipal. Orientação Curricular: De Educação Infantil e Ensino Fundamental: articulando saberes, tecendo diálogos. Secretaria Municipal de Educação / Departamento de Ensino. Serra: ABBA Gráfica e Editora, 2008.
[1] Escrita a exemplo do que Nilda Alves propõe como estratégia para a superação de dicotomias através da emergência de novos sentidos a partir da fusão de conceitos.
[2] Base Nacional Comum Curricular instituída em 22 de dezembro de 2017 por meio da Resolução CNE/CP Nº 2
[3]“[...] tudo aquilo que é vivido, sentido, praticado e que se coloca na forma de documentos escritos, conversações, ações e sentimentos vividos pelos praticantes do cotidiano [...]” (CARVALHO; SILVA; DELBONI, 2017, p.489).
[4] “Comunidade essa, descentrada [...] multidão de singularidades” (CARVALHO, 2009, p.162)
[5] MaPA – Professor de Séries Iniciais: Docente que leciona, com os anos iniciais do Ensino Fundamental, Língua portuguesa, Matemática, Ciências da natureza, Geografia e História.
A 3ª edição do Seminário “Federalismo e Políticas Educacionais” é uma realização do Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais em parceria com o Grupo Espaços Deliberativos e Governança Pública do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Gegop-Clacso), a seção estadual da Associação Brasileira de Política e Administração da Educação (Anpae-ES) e o Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo, contando com o apoio da rede Clacso.
Com o objetivo de debater os 30 anos da Constituição brasileira e os desafios para a afirmação do Estado democrático de direito, do federalismo cooperativo e da educação como direito social de cidadania. A partir do tema “Para onde vai a Democracia? O Brasil após 30 anos da Constituição de 1988” o evento se propõe a congregar pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, professores da educação básica e superior, estudantes, gestores e outros interessados para um balanço do Estado democrático de direito e para uma análise de conjuntura das políticas públicas, em geral, e das políticas educacionais, especificamente, no cenário de incertezas diante da crise política, institucional e econômica atual nas mesas, conferências, palestras e apresentações de trabalho.
Assim o evento realizou uma chamada pública e ampliada para pesquisadores das mais diferentes áreas submeterem suas produções à avaliação da Comissão Científica que avaliou os trabalhos em sua relevância e aproximação ao escopo do evento e à qualidade teórica, instrumental, argumentativa e discursiva para as Comunicações orais que se realizarão.
Desse modo os anais ora apresentados compõe importante sistematização das obras que serão discutidas e compartilhadas no evento.
Sejam bem-vindos/as ao nosso evento!
Sejam bem-vindos/as à Vitória!
Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais
ORIENTAÇÕES PARA APRESENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO ORAL:
1 - Elabore a apresentação da Comunicação oral, contendo os mesmos itens do resumo expandido (título, autores, introdução/problematização, metodologia, resultados e referências).
2 - Você deverá confeccionar até oito slides para a apresentação oral, utilizando o modelo disponibilizado: (Template Slides.ppt - anexo)
3 - As apresentações ocorrerão no dia 01/11, entre 14:00 e 18:00, conforme atribuição de salas por eixo temático.
4 - O tempo de apresentação é de no máximo 15min e estarão disponíveis notebook e projetor multimídia para arquivos em formato .pdf.
Caroline Falco Fernandes Valpassos | COORDENAÇÃO COMISSÃO CIENTÍFICA (ANPAE-ES) |
Andressa Mafezoni Caetano | PPGMPE / UFES |
Dulcinea Campos Silva | PPGMPE / UFES |
Eduardo Augusto Moscon de Oliveira | LAGEBES |
Elimar Leal | ANFOPE-ES |
Flávia Costa Lima Dubberstein | SEME - CARIACICA |
Itamar Mendes da Silva | PPGMPE / UFES |
Lara Carlette | UEPG |
Larissa Ferreira Rodrigues | PPGMPE / UFES |
Luana Almeida | UNIVAS |
Marcelo Lima | PPGE / UFES |
Michele Pazolini | IFES |
Rodrigo Ferreira Rodrigues | ANPAE-ES |
Sandra Kretli da Silva | PPGMPE / UFES |
Simone Cassini | PMSM |
Simone Smiderle | PPGE / UFES |
Suzany Goulart | CE - UFES / ANFOPE |
Tatiana das Merces | PPGE / UFES |
Tatiana Peterle | PPGE / UFES |
Vitor Gomes | PPGMPE / UFES |
Endereço Eletrônico: federalismo.ufes@gmail.com
Telefone (027) 4009-7777