RESUMO: Apresenta reflexões sobre o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) no Estado do Ceará questionando a articulação das políticas de responsabilização com as políticas de cooperação. Utiliza o conceito de Estado-avaliador tomando como elemento diferenciador a organização federativa. A pesquisa, de abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico, documental e de campo, realizou entrevistas com seis profissionais da região do Maciço de Baturité – CE. Conclui que o PAIC é operacionalizado por regulações políticas e arranjos com expressivo grau de formalidade e organização sobre os municípios.
1. Introdução
Há responsabilização na cooperação? O questionamento nos possibilita a discussão crítica da articulação das políticas de responsabilização a partir de políticas de cooperação. Nos últimos anos a articulação entre a cooperação e a responsabilização tem sido possível por meio das politicas federais de educação, a exemplo do Plano de Ações Articuladas (PAR) e do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), ou das políticas de avaliação externa, erroneamente compreendidos como políticas de cooperação. No caso das politicas conduzidas pelo governo federal a literatura tem destacado efeitos de responsabilização branda ou fraca, que geram impactos simbólicos sobre as redes de ensino e profissionais da educação.
Entretanto, se pensado a partir dos sistemas estaduais e municipais de avaliação, o nível da responsabilização torna-se forte, ou seja, além de impactos simbólicos há implicações materiais. Essas redes, ao incorporarem os resultados das avaliações nacionais, ou a partir das matrizes de desempenho de seus sistemas próprios de avaliação, normatizam mecanismos de premiações para escolas e professores com desenhos diferentes pelo país.
Buscando perceber as políticas de responsabilização pela via da “colaboração”, lançamos mão da experiência cearense como exemplo de unidade da federação que tem aderido às políticas de responsabilização sobre municípios, escolas e professores. A introdução dessas políticas tornou-se possível no momento em que o Estado do Ceará tomou o papel de coordenador federativo a partir de um programa de alfabetização, que muito mais tem de um programa de gestão, e tem sido alardeado como modelo de sucesso a ser replicado pelas demais unidades subnacionais.
De fato, Estados da federação têm firmado acordo de cooperação com a Secretaria Estadual de Educação do Ceará a fim de compreender as causas do “sucesso”, exemplo dos estados do Maranhão, do Espirito Santo e do Amapá, e institutos privados têm financiado pesquisas que busquem evidências do sucesso.
Para empreendimento dos objetivos e compreensão das questões suscitadas, realizamos pesquisa de abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico, documental e de campo. Realizamos com 6 profissionais da região do Maciço de Baturité – CE atuantes nas Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Crede), organismo regional da Secretaria Estadual, e membros da Secretaria Municipal da Educação de Redenção, município que integra essa região. Em razão dos limites deste trabalho apresentamos considerações gerais a partir das falas dos sujeitos.
Para fundamentar nossa discussão tomamos o conceito de Estado-avaliador, a partir de autores como Neave (2012), quem primeiro o utilizou, e Afonso (2009). No caso brasileiro, apontamos como elemento diferenciador a organização federativa e os modos como a coordenação e a cooperação confundem-se ao que Afonso (2009) chama de “ethos” do Estado-avaliador pela ênfase nos resultados e admissão de uma lógica de mercado no domínio público.
2. O PAIC e a instrumentalização da gestão municipal no Ceará
Criado pela Lei estadual nº 14.026/2007, o PAIC se torna política pública para prestar cooperação técnica e financeira aos municípios cearenses com vistas à melhoria dos resultados de aprendizagem. Inicialmente esta política atendia os anos iniciais do ensino fundamental (até o 2º ano). Em seguida o programa passou por dois momentos de expansão, em 2011 quando passa a atender até o 5º ano (intitulando-se PAIC +5) e em 2016 quando é estendido ao 9º ano do ensino fundamental II (MAISPAIC).
O PAIC é articulado em regime de colaboração pela Secretaria Estadual da Educação – SEDUC, as Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação – CREDEs e as gerencias municipais dos 184 municípios signatários do programa. Estudos recentes têm apontado o aspecto do programa em efetivar o princípio constitucional do regime de colaboração através de sua institucionalização e da reorganização dos organogramas das repartições públicas em que atua. Todavia, não só na efetivação da colaboração. Há mecanismos que demostram a ação do governo estadual em regular e induzir as gestões municipais a aderirem a uma cultura de avaliação, responsabilização e gestão por resultados.
Ao longo dos últimos 10 anos, o PAIC tem instrumentalizado os processos pedagógicos, avaliativos e da gestão nas escolas e redes municipais da educação cearense, tornando seu funcionamento capitaneado pelas metas/ações estabelecidas pelo programa, propondo uma “mudança de cultura da gestão municipal e da gestão escolar” (CEARÁ, 2012, p. 67).
A implantação do PAIC decorreu dos resultados apresentados pelo Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar – CCEAE, no ano de 2004. É interessante perceber seu contexto de implantação, pois, desde sua formulação aponta o uso da gestão, da avaliação e do acompanhamento para uma educação de qualidade. Afonso (2010) ao tratar da consensualidade dos discursos que se chegam as políticas de accountability diz que “quando a crise da escola começou a ser atribuída a certos métodos pedagógicos a pressão para reforçar medidas de avaliação e políticas de accountability não tardou a fazer-se sentir [...]” (AFONSO, 2010, p. 158).
Enquanto programa de alfabetização, o PAIC toma como mote a gestão e a partir de “mecanismos para estimular a priorização da alfabetização”, “privilegia um modelo de gestão pública por resultados” (CEARÁ, 2012, p. 86), mostrando-se uma política de acompanhamento tanto técnico-pedagógico como também de alocação de recursos, a nível escolar e municipal.
3. As políticas de avaliação e indução: desdobramentos nas redes de ensino
O PAIC é composto por uma agenda múltipla de ações do governo do estado do Ceará, nele articulam-se, ao nível da escola e do sistema municipal de educação, metas e metodologias próprias para consecução das diretrizes propostas pela SEDUC. Nisso, suas ferramentas de acompanhamento e monitoramento inserem-se numa “cultura de ação cíclica” que tem na avaliação externa seu eixo estruturante. Dado esse caráter estruturante, o PAIC concebe dois modelos censitários de avaliações externas: a Prova PAIC, enviada pela SEDUC e aplicada pelo município, e o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica - SPAECE, organizado e aplicado pela SEDUC. A diferença entre os dois modelos repousa no âmbito da publicização dos resultados: a Prova PAIC tem seus resultados restritos a gestão municipal, enquanto os resultados do SPAECE são divulgados publicamente em uma classificação geral de escolas e municípios.
No PAIC, encontra-se ainda dois modelos de políticas de responsabilização que desdobram-se em premiação e retorno financeiro para as escolas e os municípios: o Prêmio Escola Nota 10 e a vinculação da distribuição do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços atrelado aos indicadores municipais nas avaliações. O Escola Nota 10 é destinado às escolas municipais que obtenham os melhores resultados no Indicie de Desempenho Escolar – Alfa (IDE-Alfa), premiando-se as 150 escolas que pontuem entre 8,5 e 10. Também são contempladas com valores financeiros as 150 escolas com menores IDE-Alfa, essas são conhecidas como escolas apoiadas pois serão tuteladas pelas 150 melhores escolas no ranking, buscando com isso o intercâmbio de práticas. O ICMS é recolhido e repassado aos municípios pelo governo do Estado, no total de 25% do que fora arrecadado. Desses 25%, 75% (três quartos) são repassados de acordo com a arrecadação de cada município. Os outros 25% (um quarto) tem seu valor de repasse fixado pelo Índice de Qualidade da Educação (IQE), Saúde (IQS) e Meio Ambiente (IQM) (CEARÁ, 2012, pp. 84-85).
No cerne da discussão o fato de que a evolução do Estado-avaliador, inicialmente no âmbito do ensino superior, está associada ao aumento do poder do governo central e da utilização de avaliações para atestar a produtividade e o desempenho dos sistemas de ensino e consequentemente o aumento dos mecanismos de accountability. Para Neave (2012) a eficiência operacional é um conceito central no Estado-avaliador, o qual pensamos está enclausurado num discurso neoliberal.
A “colaboração” estado-município presentes no PAIC revelam os mecanismos que se têm utilizado para indução e regulação da ponta do sistema por parte daquele que detém o maior volume de recursos. Ratificamos o caráter gestionário do PAIC: aquilo estabelecido no pacto colaborativo baseia-se em um monitoramento cíclico que incide, sobretudo, na difusão de um novo modelo de gestão para as municipalidades, pois as políticas de indução e a padronização de testes têm alterado a natureza da gestão e redirecionado as práticas pedagógicas.
Diferente dos programas e ações anteriores no Estado do Ceará, o PAIC é operacionalizado por meio da cooperação Estado – Munícipio, de forma que o Estado, a partir das CREDE’s, disponibiliza equipes que atuam cooperando junto ao município. Os municípios, por sua vez, possuem equipes próprias que atuam diretamente no desenvolvimento das escolas municipais por meio do monitoramento, afim de visualizar a realização das metas.
Essa relação intergovernamental é assim institucionalizada por meio da criação de células específicas no organograma das instituições que permitem a relação direta entre os entes federados, significando uma reestruturação no âmbito da SEDUC e das CREDEs, bem como das SMEs e dimensionando a articulação entre os entes federados na execução da política.
No âmbito municipal percebemos a capilaridade do PAIC e suas implicações na gestão e na avaliação externa, assim, afirmado pelos entrevistados. O PAIC hoje compreende todas as ações do ensino fundamental. Assim, o desdobramento do pacto colaborativo incide, conforme Gerente Municipal, “no PAIC ser um plano de gestão, porque tudo funciona em torno disso, até por conta de o resultado ser o carro-chefe”.
Se coloca como ação principal da SME o monitoramento aos alunos, por meio de instrumental de acompanhamento de leitura e escrita, o monitoramento aos professores, acompanhando a aplicação em sala de aula das ações definidas nas formações e monitoramento dos núcleos gestores das escolas.
4. Considerações Finais
O conceito de Estado-avaliador permite a compreensão da disseminação e padronizações de politicas públicas de avaliação e responsabilização. No caso do Estado do Ceará encontramos um programa de alfabetização que, anunciado como politica de colaboração entre governo estadual e municipal, efetiva um conjunto de ferramentas de ação e mecanismos que instituem a responsabilização da gestão municipal e escolar frente aos resultados de desempenho aferidos pelo sistema estadual de avaliação, demonstrando, quando do acompanhamento destas politicas nas instituições regionais e municipal, inflexões nas práticas profissionais.
Assim, analisamos uma política de responsabilização que tece arranjos com expressivo grau de formalidade e organização sobre os municípios, a exemplo do Prêmio Escola Nota 10 e do rateio do ICMS atrelado aos indicadores educacionais, e que além das premiações, executa outras medidas que envolvem a formação e a instrumentalização de gestores e professores.
Não se pode obliterar o fato da condução dessa política a partir do regime de “colaboração”, permitindo lançar luz sobre a confusão que tem sido feita entre a coordenação federativa e o Estado-avaliador, consagrada por instâncias de governo e regulações politicas e administrativas, a exemplo do que vem ocorrendo com o governo central, mas também em unidades subnacionais, como o caso do Ceará.
5. Referências
AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
_______. Um olhar sociológico em torno da accountability em educação. In: ESTEBAN, M. T.; AFONSO, A. J. (Orgs.). Olhares e interfaces: reflexões sobre a avaliação. São Paulo: Cortez, 2010. p. 147-170.
CEARÁ. Secretária da Educação. Regime de Colaboração para a garantia do direito à aprendizagem: o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) no Ceará. Fortaleza: SEDUC, 2012.
NEAVE, G. O Estado-avaliador como política em transição: um estudo histórico e anatômico. In: COWEN, R.; KAZAMIAS, A. M.; ULTERHALTER, E. (Orgs.). Educação comparada: panorama internacional e perspectivas. Brasília: Capes, 2012. v. 1. p. 675-696.
A 3ª edição do Seminário “Federalismo e Políticas Educacionais” é uma realização do Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais em parceria com o Grupo Espaços Deliberativos e Governança Pública do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Gegop-Clacso), a seção estadual da Associação Brasileira de Política e Administração da Educação (Anpae-ES) e o Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo, contando com o apoio da rede Clacso.
Com o objetivo de debater os 30 anos da Constituição brasileira e os desafios para a afirmação do Estado democrático de direito, do federalismo cooperativo e da educação como direito social de cidadania. A partir do tema “Para onde vai a Democracia? O Brasil após 30 anos da Constituição de 1988” o evento se propõe a congregar pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, professores da educação básica e superior, estudantes, gestores e outros interessados para um balanço do Estado democrático de direito e para uma análise de conjuntura das políticas públicas, em geral, e das políticas educacionais, especificamente, no cenário de incertezas diante da crise política, institucional e econômica atual nas mesas, conferências, palestras e apresentações de trabalho.
Assim o evento realizou uma chamada pública e ampliada para pesquisadores das mais diferentes áreas submeterem suas produções à avaliação da Comissão Científica que avaliou os trabalhos em sua relevância e aproximação ao escopo do evento e à qualidade teórica, instrumental, argumentativa e discursiva para as Comunicações orais que se realizarão.
Desse modo os anais ora apresentados compõe importante sistematização das obras que serão discutidas e compartilhadas no evento.
Sejam bem-vindos/as ao nosso evento!
Sejam bem-vindos/as à Vitória!
Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais
ORIENTAÇÕES PARA APRESENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO ORAL:
1 - Elabore a apresentação da Comunicação oral, contendo os mesmos itens do resumo expandido (título, autores, introdução/problematização, metodologia, resultados e referências).
2 - Você deverá confeccionar até oito slides para a apresentação oral, utilizando o modelo disponibilizado: (Template Slides.ppt - anexo)
3 - As apresentações ocorrerão no dia 01/11, entre 14:00 e 18:00, conforme atribuição de salas por eixo temático.
4 - O tempo de apresentação é de no máximo 15min e estarão disponíveis notebook e projetor multimídia para arquivos em formato .pdf.
Caroline Falco Fernandes Valpassos | COORDENAÇÃO COMISSÃO CIENTÍFICA (ANPAE-ES) |
Andressa Mafezoni Caetano | PPGMPE / UFES |
Dulcinea Campos Silva | PPGMPE / UFES |
Eduardo Augusto Moscon de Oliveira | LAGEBES |
Elimar Leal | ANFOPE-ES |
Flávia Costa Lima Dubberstein | SEME - CARIACICA |
Itamar Mendes da Silva | PPGMPE / UFES |
Lara Carlette | UEPG |
Larissa Ferreira Rodrigues | PPGMPE / UFES |
Luana Almeida | UNIVAS |
Marcelo Lima | PPGE / UFES |
Michele Pazolini | IFES |
Rodrigo Ferreira Rodrigues | ANPAE-ES |
Sandra Kretli da Silva | PPGMPE / UFES |
Simone Cassini | PMSM |
Simone Smiderle | PPGE / UFES |
Suzany Goulart | CE - UFES / ANFOPE |
Tatiana das Merces | PPGE / UFES |
Tatiana Peterle | PPGE / UFES |
Vitor Gomes | PPGMPE / UFES |
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