A Base Nacional Comum Curricular e o novo participacionismo social

  • Autor
  • Patricia Cecilia da Silva
  • Co-autores
  • Fernando L. Cássio
  • Resumo
  • A Base Nacional Comum Curricular e o novo participacionismo social

     

    RESUMO

    O Brasil vive um momento de debate sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que começou a ser discutida em 2015. Vários mecanismos de participação social têm sido utilizados no processo de construção da BNCC, como a Consulta Pública onlineem que o MEC divulgou ter recebido mais de 12 milhões de contribuições. O ato de ouvir a opinião da população para a formulação de políticas entrou em voga a partir dos 1990 nos países ditos progressistas devido à crise no sistema burocrático de representação, apesar de teóricos já discutirem processos deliberativos desde os anos 1960. A Consulta Pública da BNCC, porém, não pode ser considerada como uma ferramenta de participação efetiva, já que as contribuições textuais dos participantes não foram levadas em consideração na segunda versão do documento.

     

    O Brasil vive um momento de debate em torno da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que começou a ser discutida em 2015 e já tem as suas versões para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental aprovadas. Seguindo modelos internacionais, seu objetivo é a implantação de um currículo mínimo comum. O aporte legal para essa implementação seria o Artigo 210 da Constituição Federal (CF/88), que prevê a existência de conteúdos mínimos no Ensino Fundamental, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96). As normatizações relacionadas a esse assunto, porém, só foram incluídas na LDB por meio das Leis n. 12.796/13 e 13.415/17 (Reforma do Ensino Médio) e através do arcabouço normativo que constitui o conjunto das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.

    A fim de organizar as tensões do debate público sobre o currículo e de forjar um certo grau de legitimidade social às decisões tomadas no processo de construção da BNCC, o MEC resolveu utilizar uma série de mecanismos propiciadores de participação social na elaboração da política educacional, o que é consoante com a onda de expansão dos processos de consulta à população, a associações, especialistas e segmentos empresariais para a formulação de projetos e desenvolvimento de políticas públicas a partir dos anos 1990. Esses movimentos de participação foram influenciados pela crise no modelo burocrático de representação pública. Levar os cidadãos a participarem das decisões públicas se tornou um modelo de gestão pública contemporânea estimulado por organizações como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Em 1996, o Banco Mundial publicou um Participation Sourcebookem que define participação social e mostra experiências de diversos países, além de propor métodos que podem ser utilizados para incluir os cidadãos nas tomadas de decisões.

    Em 23 de maio de 2014, a presidenta Dilma Rousseff assinou o Decreto n. 8.243, instituindo a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). A PNPS reconhece a participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia (Art. 3º, I), definindo como instâncias de participação social (Art. 6º):

    I – conselho de políticas públicas; II – comissão de políticas públicas; III – conferência nacional; IV – ouvidoria pública federal; V – mesa de diálogo; VI – fórum interconselhos; VII – audiência pública; VIII – consulta pública; IX – ambiente virtual de participação social. (BRASIL, 2014)

    Pouco tempo depois, a Câmara dos Deputados sustou o referido Decreto (PDC n. 1.491/2014), a pretexto de ele supostamente ameaçar os fundamentos da democracia representativa consagrados no Art. 14 da CF/1988. Como enfatiza Pedro Pontual, ex-diretor de participação social da Secretaria-Geral da Presidência da República,

    parte nada desprezível dessas instituições [de participação social] foi criada mediante leis pelos poderes legislativos municipais, estaduais e nacional, de modo que mal poderiam ser entendidas como uma tentativa de suplantá-los. (GURZA-LAVALLE & SZWAKO, 2014, p. 92)

    Com efeito, o Decreto organiza uma série de instâncias de participação social já existentes no país. Na educação, por exemplo, as experiências de conselhos, comissões, fóruns e audiências públicas são bem conhecidas. Já as consultas públicas, especialmente fazendo uso de ambientes virtuais e plataformas online, constituíam mecanismos de participação com menor expressão na educação. Pelo menos até agora.

    Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal possuem comissões de legislação participativa encarregadas de dar encaminhamento às ideias legislativas que entram pelos canais oficiais de participação das duas casas. No Senado, o portal e-Cidadania, criado em 2012, permite que se opine sobre novos projetos de lei de senadores (concordo/discordo), que se participe de audiências públicas interativas (enviando perguntas) e que se proponha uma ideia legislativa, que carece de 20 mil apoios (concordo/discordo) em até 120 dias para ser levada à CDH como Sugestão Legislativa (SL).

    Neste trabalho apresentamos alguns resultados iniciais de uma investigação que temos realizado sobre os “novos” processos participativos relacionados à elaboração e ao debate público da BNCC, em especial os processos participativos mediados pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação, em plataformas online.

     

    Fontes da pesquisa e metodologia

    Para realizar essa pesquisa foram utilizados os dados públicos relacionados à Base Nacional Comum Curricular, as versões da BNCC e os Microdados da Consulta Pública à Primeira Versão da BNCC, obtidos via Lei de Acesso à Informação. Esses dados foram debatidos com a ajuda de alguns trabalhos teóricos sobre democracia participativa e deliberativa.

     

    Resultados e discussão

    O processo consultivo da Base Nacional comum curricular teve início com a consulta pública à primeira versão da Base, ocorrida entre setembro de 2015 e março de 2016, na qual, em portal especialmente desenvolvido para esse fim, qualquer pessoa poderia acessar os objetivos de aprendizagem da Educação Infantil, Fundamental e Médio e opinar sobre sua pertinência e relevância, além de propor ou sugerir a exclusão de objetivos. De acordo com o MEC, 305.569 indivíduos, 4.298 organizações e 45.049 escolas em todo o território nacional se cadastraram no Portal, e 12 milhões de contribuições foram realizadas. Em seguida, a segunda versão do documento foi debatida em 27 Seminários Estaduais, organizados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), realizados em junho de 2016, que contaram com a participação de gestores de redes de ensino e entidades educacionais, o que deu origem à terceira versão da BNCC. Por fim, os textos do Ensino Fundamental e da Educação Infantil foram apreciados em cinco Audiências Públicas organizadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), uma em cada região do país, sendo aprovados pelo CNE e homologados pelo MEC em dezembro de 2017. O texto do Ensino Médio, que tem suscitado diversas tensões, também foi encaminhado ao CNE, já em 2018, mas ainda não foi aprovado e está sendo submetido a um novo ciclo de audiências públicas. Inclusive, as audiências públicas da região Sudeste e Norte não se realizaram, em vista da ocupação do plenário por movimentos docentes autonomistas, sindicatos e pelo movimento estudantil. No dia 2 de agosto de 2018 o Consed convocou o Dia D da BNCC, mobilizando escolas de todo o país a conhecer e discutir a BNCC do Ensino Médio.

    O número “12 milhões” parece muito impactante. Mas as alegadas contribuições são, na verdade, interações que o usuário faz com os objetivos de aprendizagem e textos preambulares avaliados na consulta pública, que podem ser respostas a questionários de múltipla escolha ou formulação de textos escritos. Apenas 1,52% das referidas 12 milhões de contribuições são sugestões de inclusão, supressão ou modificação no texto da Base. O restante das “contribuições” são respostas a questionários do tipo Likert e, dentro desse conjunto, destaca-se uma forte predominância de cliques de concordância com o documento (CÁSSIO, 2017). Com base nisso, é possível interrogar: qual a “qualidade” de uma consulta pública realizada dessa forma? É um mecanismo de participação efetiva?

    Carole Pateman, influenciada pelas pressões populares nas tomadas de decisão dos governos em países desenvolvidos nos anos 1960, publicou uma obra seminal – Participation and Democratic Theory– que deu notoriedade à ideia, debatida neste período, de democracia participativa. Pateman (1992) contradiz a “doutrina clássica” de Joseph Schumpeter de que a participação da população deveria se restringir ao voto, e alega que o descontentamento com a democracia era um sintoma da falta de participação das pessoas nos processos decisórios que impactavam a sua vida cotidiana. O envolvimento em experiências de participação direta seria responsável por um processo de qualificação política dos cidadãos, o que levaria à construção de uma sociedade participativa (PATEMAN, 1992). Para que esses efeitos se manifestassem seria necessário que a população tivesse poder decisório final (caso contrário, tem-se apenas uma pseudoparticipação).

    Arnstein (1969), no mesmo período, construiu uma “escada” formada por degraus que representam níveis de participação que explicitam se o cidadão, ao se envolver em um processo participativo, apresenta poder real de afetar o resultado da política ou apenas participa de um ritual infrutífero. Nos níveis ascencentes da escada temos: (1) Manipulação e (2) Terapia, que descrevem níveis de não participação, criados para simular uma participação genuína; (3) Informação, (4) Consulta e (5) Apaziguamento, descritos como graus de tokemismo; (6) Parceria, que permite aos cidadãos negociar e se envolver em trocas com detentores de poder tradicionais; (7) Poder delegado e (8) Controle dos Cidadãos, que são degraus nos quais os cidadãos antes desprovidos de poder (ou sem nada, chamados pelo autor de have-not) podem obter a maioria dos assentos decisórios ou até o poder administrativo total.

    Analisando a consulta pública realizada na BNCC, vemos que essa não pode ser caracterizada nem como um processo participativo genuíno, de acordo com Pateman ou Arnstein, nem como um processo de deliberação de acordo com os estudos mais modernos sobre participação (FISHKIN, 2009; MIGUEL, 2017). Para ser enquadrada dentro dos critérios da democracia deliberativa seria necessário que a Consulta efetivamente produzisse efeitos na política final. No entanto, a segunda versão do texto da BNCC não foi muito influenciada pelas contribuições, apesar de ter encontrado formas de esvaziar parte considerável das críticas sobre a organização do currículo colocadas na consulta pública (CÁSSIO & SPINELLI JR., 2017).

     

    Referências

    ARNSTEIN, S. R. A Ladder of Citizen Participation. Journal of the American Institute of Planners, v. 35, n. 4, p. 216-224, 1969.

    BRASIL. Projeto de Decreto Legislativo de sustação de atos normativos do poder executivo. PDC n. 1.491, de 30 de maio de 2014. Brasília, 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2018.

    BRASIL. Decreto Federal n. 8.243, de 23 de maio de 2014. Brasília, 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2018.

    CÁSSIO, F. Participação e participacionismo na construção da Base Nacional Comum Curricular. Nexo Jornal, São Paulo, 02 dez. 2017b. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2018.

    CÁSSIO, F. L.; SPINELLI JR., R. A Base Nacional Comum Curricular segundo a consulta pública e a consulta pública na Base Nacional Comum Curricular. In: XI Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2017, Florianópolis.

    FISHKIN, J. S. When the People Speak:Deliberative Democracy and Public Consultation. New York: Oxford University Press, 2009.

    GURZA-LAVALLE, A.; SZWAKO, J. Origens da Política Nacional de Participação Social: Entrevista com Pedro Pontual. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 99, p. 91-104, 2014.

    MIGUEL, L. F. Resgatar a participação: Democracia participativa e representação política no debate conteporâneo. Lua Nova, São Paulo, n. 100, p. 83-118, 2017.

    PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

  • Palavras-chave
  • Participação social; Democracia; Políticas Educacionais; Currículo
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • EIXO 6 - Federalismo, democracia e disputas entre o público e o privado
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A 3ª edição do Seminário “Federalismo e Políticas Educacionais” é uma realização do Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais em parceria com o Grupo Espaços Deliberativos e Governança Pública do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Gegop-Clacso), a seção estadual da Associação Brasileira de Política e Administração da Educação (Anpae-ES) e o Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo, contando com o apoio da rede Clacso.

Com o objetivo de debater os 30 anos da Constituição brasileira e os desafios para a afirmação do Estado democrático de direito,  do federalismo cooperativo e da educação como direito social de cidadania. A partir do tema “Para onde vai a Democracia? O Brasil após 30 anos da Constituição de 1988” o evento se propõe a congregar pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, professores da educação básica e superior, estudantes, gestores e outros interessados para um balanço do Estado democrático de direito e para uma análise de conjuntura das políticas públicas, em geral, e das políticas educacionais, especificamente, no cenário de incertezas diante da crise política, institucional e econômica atual nas mesas, conferências, palestras e apresentações de trabalho.

Assim o evento realizou uma chamada pública e ampliada para pesquisadores das mais diferentes áreas submeterem suas produções à avaliação da Comissão Científica que avaliou os trabalhos em sua relevância e aproximação ao escopo do evento e à qualidade teórica, instrumental, argumentativa e discursiva para as Comunicações orais que se realizarão.

Desse modo os anais ora apresentados compõe importante sistematização das obras que serão discutidas e compartilhadas no evento.

Sejam bem-vindos/as ao nosso evento!

Sejam bem-vindos/as à Vitória!

 

Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais

REGRAS PARA SUBMISSÃO DE COMUNICAÇÃO ORAL:
 
O texto completo deverá conter entre 10.000 e 13.000 caracteres, nestes devem estar contidos: título, resumo, introdução/problematização, metodologia, resultados e referências bibliográficas.
Acompanhar um resumo de no máximo 1300 caracteres.
O texto deve indicar 3 palavras-chave.
Serão admitidos, no máximo, um (a) autor (a) e até três co-autores(as) por trabalho (TODOS devem estar com inscrição paga e confirmada pelo sistema). Não haverá devolução do valor de inscrição em nenhum dos casos.
Na fase de submissão é imprescíndível que os trabalhos sejam apresentados anonimamente, sem referências identificação de autoria.

 

ORIENTAÇÕES PARA APRESENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO ORAL:


1 -   Elabore a apresentação da Comunicação oral, contendo os mesmos itens do resumo expandido (título, autores, introdução/problematização, metodologia, resultados e referências).

2 - Você deverá confeccionar até oito slides para a apresentação oral, utilizando o modelo disponibilizado: (Template Slides.ppt - anexo)

3 - As apresentações ocorrerão no dia 01/11, entre 14:00 e 18:00, conforme atribuição de salas por eixo temático. 

4 - O tempo de apresentação é de no máximo 15min e estarão disponíveis notebook e projetor multimídia para arquivos em formato .pdf.

  • EIXO 1 – Federalismo, políticas educacionais e financiamento
  • EIXO 2 – Federalismo e gestão democrática da educação (Básica e Superior)
  • EIXO 3 A – Federalismo, regime de colaboração e organização da educação básica
  • EIXO 4 – Federalismo, políticas curriculares e de avaliação
  • Eixo 5 A – Federalismo, modalidades de ensino e práticas pedagógicas (Educação Especial, Educação do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, Educação à distância)
  • EIXO 6 - Federalismo, democracia e disputas entre o público e o privado
  • EIXO 3 B – Federalismo, regime de colaboração e organização da educação básica
  • Eixo 5 B – Federalismo, modalidades de ensino e práticas pedagógicas (Educação Especial, Educação do Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, Educação à distância)
Caroline Falco Fernandes Valpassos COORDENAÇÃO COMISSÃO CIENTÍFICA (ANPAE-ES)
Andressa Mafezoni Caetano PPGMPE / UFES
Dulcinea Campos Silva PPGMPE / UFES
Eduardo Augusto Moscon de Oliveira LAGEBES
Elimar Leal ANFOPE-ES
Flávia Costa Lima Dubberstein SEME - CARIACICA
Itamar Mendes da Silva PPGMPE / UFES
Lara Carlette UEPG
Larissa Ferreira Rodrigues PPGMPE / UFES
Luana Almeida UNIVAS
Marcelo Lima PPGE / UFES
Michele Pazolini IFES
Rodrigo Ferreira Rodrigues ANPAE-ES
Sandra Kretli da Silva PPGMPE / UFES
Simone Cassini PMSM
Simone Smiderle PPGE / UFES
Suzany Goulart CE - UFES / ANFOPE
Tatiana das Merces PPGE / UFES
Tatiana Peterle PPGE / UFES
Vitor Gomes PPGMPE / UFES

 

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