O PROGRAMA ENSINA BRASIL E A PRECARIZAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
RESUMO
Analisa as influências de entidades de interesse privado que financiam a formação continuada de graduados em diversas áreas para atuarem na educação básica, na função docente. As parcerias do setor público com o setor privado têm sido cada vez mais comuns no Brasil, denotando uma despreocupação dos órgãos públicos na promoção da formação dos professores. Problematiza a respeito dos institutos e fundações associadas ao setor empresarial substituírem a obrigação do Estado na promoção de melhores condições de ensino, evidenciando a parceria realizada com o Programa Ensina Brasil na rede estadual do Espírito Santo e as consequências de tal prática para a educação capixaba.
Palavras-Chave: Formação de Professores, Programa Ensina Brasil, Setor privado no ensino público
INTRODUÇÃO
Temos ciência que vivemos em um país em que há a coexistência do setor público e do setor privado. Entendemos que o setor público é gerenciado por princípios próprios, bem como o setor privado possui características específicas. Em linhas gerais, o setor público se ocupa em distribuir bens e serviços. Enquanto o setor privado tem como principal valor, a produção de bens com o menor custo, em razão de obter o maior lucro possível.
Nessa perspectiva, Santos (1994) ressalta que a modernidade apresenta projetos socioculturais ricos, capaz de infinitas possibilidades complexas e com desenvolvimentos contraditórios, sendo constituídos pela regulação do Estado, pelo princípio do mercado e pelo princípio da comunidade.
Na atual conjuntura, em que foi aprovada a Emenda Constitucional 95/2016, vivemos no Brasil o congelamento de gastos nas áreas sociais como saúde e educação, o que atrelado a um cenário de crise econômica resulta no palco ideal para justificativas da interferência de interesses particulares no setor público.
Pires, Peroni e Rosse (2017) apontam que a presença do setor privado na educação tem aumentado, devido ao diagnóstico da crise do Estado que muitas vezes não executa diretamente as políticas públicas, mas transfere a execução para instituições do terceiro setor, pois o mercado se transforma em parâmetro de qualidade e define a direção para diversas ações.
Montanõ (2002) nos alerta que existem questionamentos em relação ao terceiro setor devido à setorização e a questão social, pois se trata de uma visão mistificadora para promover o entendimento realizado formalmente pela sociedade civil oposta ao Estado e ao Mercado, visto que o terceiro setor é referido como atividades públicas que são desenvolvidas por entidades particulares em prol da função social em resposta às necessidades sociais.
O contexto acima indicado é uma caraterística do neoliberalismo, já que o governo do Estado do Espírito Santo realiza parcerias com entidades privadas com a justificativa de qualificar a oferta da educação pública. Uma delas foi realizada em 2017, quando estabeleceu acordo o Programa Ensina Brasil, o qual atua na condição de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), para promover a formação de professores graduados em qualquer área. O Programa é apoiado por outras fundações privadas e organizações não governamentais, como a Fundação Lemann, Fundação Itaú Social, Instituto Singularidades, entre muitas outras.
Portanto, o presente artigo problematiza a oferta da formação de professores realizada pelo Programa Ensina Brasil na tentativa de compreender as parcerias que o Estado tem realizado com entidades privadas com a promessa de fomentar a qualidade educacional. A justificativa para a realização deste trabalho está pautada na reflexão crítica das redes de associações entre os setores privados e o público na formação de professores. Para tanto, será realizada pesquisa de cunho bibliográfico. Gil (2008) afirma que a pesquisa bibliográfica é aquela desenvolvida a partir de materiais já elaborados, constituídos principalmente de livros e artigos científicos.
A pesquisa apresentará subdivisões que abordarão a privatização da educação pública brasileira, com intuito de fomentar o formato com que as parcerias entre o privado e o público têm ocorrido e também discutiremos a formação de professores atrelada ao Programa Ensina Brasil no Espírito Santo.
A PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
O desenvolvimento do mercado surge no surto vertiginoso da industrialização e no crescimento da importância das cidades comerciais e na primeira expansão das novas cidades industriais (SANTOS 1994).
Nesse sentido, compreendemos que não há como negar a existência do mercado no atual contexto socioeconômico, porém, entendemos e defendemos que há responsabilidades que são próprias do Estado, principalmente no que se refere a investimentos nas áreas sociais, como é o caso da educação pública.
Considerando as diferenças de princípios que orientam o setor privado, tê-lo parceiro na educação pública preocupa o magistério e os pesquisadores da área educacional, pois sua atuação retrata a perspectiva empresarial e privada, destoando dos princípios existentes na área social.
Adrião e Peroni (2009) afirmam que a privatização consiste na transferência para a iniciativa privada, da propriedade de dado setor, com a finalidade de transformá-lo em uma instituição de e para o mercado. Ceccon (2013) complementa afirmando que a privatização é a transferência de atividades, responsabilidades e a gestão de organizações e instituições públicas para as instituições privadas.
Ceccon (2013), Adrião e Peroni (2009) respondem o questionamento a nosso problema inicial, de modo a favorecer-nos a compreensão que o poder público tem se aproximado da iniciativa privada e com ela tem se alinhado para transferir responsabilidades, bem como para descaracterizá-lo, principalmente desvirtuando a ideia de direitos em serviços que possam ser prestados, eximindo-se da oferta pública, gratuita e de qualidade aos direitos sociais estabelecidos na CF 1988.
Segundo Freitas (2012), a organização da iniciativa privada tem ocorrido articulada com propostas políticas, empresas educacionais, mídia, empresários, institutos, fundações privadas e pesquisadores a fim de melhorar a educação pública. Ou seja, nesta proposta, a qualidade da educação pública não é responsabilidade exclusiva do Estado.
JOVENS RECRUTADOS PELO PROGRAMA ENSINA BRASIL PARA ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESPÍRITO SANTO
A luta por uma política pública nacional de formação de professores é antiga no Brasil, conforme Freitas (2007) ocorre na necessidade de uma formação ampla para contemplar de forma articulada a formação inicial, continuada e vinculada à valorização por meio de carreira, salário e condições de trabalho, sendo parte do conjunto das lutas dos educadores no Brasil. No entanto, após os poucos avanços conquistados nas políticas recentes, em particular com o estabelecimento da LDB (9394/96) e o Plano Nacional de Educação (13005/2014), as políticas neoliberais na área educacional cada vez mais ganham espaço, em especial nas unidades subnacionais do Estado Brasileiro.
O Programa Ensina Brasil integra a Rede “Teach For All”, a qual recruta jovens de interesse distintos para ensinar crianças carentes, não apenas disciplinas regulares, mas também “política, cidadania e proteção ao meio ambiente”. (ENSINA BRASIL, 2017).
O Programa busca lideranças em pessoas formadas em áreas distintas da Educação, e, portanto, sem a formação pedagógica adequada para o processo, fazendo de forma aligeirada (250 horas inicialmente e 1.400 durante os 2 anos da docência) essa formação para a prática pedagógica, sem indícios efetivos de que sejam apreendidos os principais valores e princípios que orientam a prática docente, compreendendo-a como simples capacitação técnica pragmática de treinamento.
Nessa conjuntura política de desobrigação com a educação pública, é preciso relembrar que mesmo os estados e municípios tendo autonomia, precisam considerar alguns documentos normativos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9394/96 e o Plano Nacional de Educação (PNE). A LDB em seu artigo 62 especifica que o profissional da educação em nível superior para atuação na Educação Básica, deverá ter curso de licenciatura, de graduação plena, admitindo formação mínima na modalidade normal, para atuação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O Plano Nacional de Educação (PNE) também assegura na meta 15 que todos os docentes da educação básica devam possuir formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam, no primeiro ano de vigência do PNE (2015).
Não é possível conciliar o Programa Ensina Brasil com os apontamentos da LDB e do PNE acerca da formação dos docentes. De um lado há a valorização da formação específica do profissional docente e de outro, total banalização, sendo inserido em sala de aula para atuar como professor.
É nítida a compreensão restrita que o Programa Ensina Brasil tem em relação à formação e atuação profissional do docente. Esta compreensão é resultado da visão técnica e linear dos donos fábricas, ou da forma compartimentada e hierarquizada em que os empresários colocam suas empresas para funcionarem, não possibilitando enxergarem a complexidade que se dá a educação, principalmente a educação pública, por seu caráter diverso, plural e democrático.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante acompanhar a discussão internacional acerca do programa Teach for All e os interesses presentes em sua proposta/atuação. Considerando as entidades financiadoras, fica clara a perspectiva empresarial e privada na educação pública e o consentimento do poder público (Governo do Estado) e dos órgãos ligados ao governo (Fapes e Sedu).
A associação existente entre o governo e a iniciativa privada em relação a tais projetos, tem gerado incômodos, pois refletimos acerca de quão execrável têm se tornado o descaso com o âmbito educacional ao se posicionar de tal maneira a financiar projetos de iniciativa privada enquanto a educação pública não é contemplada, em sua totalidade, com políticas educacionais adequadas, no que se refere ao investimento para a formação continuada de professores e a qualidade do ensino oferecido.
Ao assentir que modelos gerencialistas como tal, adentrem aos muros da escola pública é desconsiderar o modelo de gestão democrática a qual mesmo que tardia, foi conquistada através de árduas lutas sociais no Brasil. Compactuar com propostas que fomentam a continuidade da falta de qualidade da educação brasileira é retroceder ainda mais no âmbito educacional, além de acordar com a não efetivação de políticas públicas adequadas destinadas à educação.
Nota-se que a formação de professores oferecida pelo Programa Ensina Brasil não contempla a necessidade de fornecer uma educação de qualidade como obrigatoriedade do Estado, visto que realiza a formação de um professor em pouco tempo, não garantindo a aprendizagem científica e metodológica para mediar o conhecimento enquanto estiver em sala de aula como “líder”. Constata-se que é necessário que sejam realizadas mais pesquisas, a fim de instaurar mais resultados sobre o impacto deste Programa na educação capixaba.
REFERÊNCIAS
ADRIÃO, T.; PERONI, V. A educação pública e sua relação com o setor privado: implicações para a democracia educacional. Revista Retratos da Escola, 2009.
CECCON, Ellen Cristina. A privatização da educação básica na América Latina: análise de publicações científicas internacionais de 1990 a 2012. 2013. Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. 2013
ENSINA BRASIL. https://www.ensinabrasil.org/nossoprograma. 2017. Disponível em: < https://www.ensinabrasil.org/nossoprograma > . Acesso em 20.09.2017.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010.
FREITAS, Helena de. A (nova) política de formação de professores: a prioridade postergada. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1203-1230, out. 2007.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social; crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002. 288 p.
NUNES, C. M. F. Saberes docentes e formação de professores: um breve panorama da pesquisa brasileira. Educação e Sociedade, ano XXII, nº 74. 2001.
PIRES, D. O.; PERONI, V. M. V.; ROSSI, A. J. Regulamentação do terceiro setor no Brasil e a democratização da educação pública. Políticas Educativas, Santa Maria, v. 10, n. 2. p. 81-98, 2017.
SANTOS, Boaventura de Sousa. PELA MÃO DE ALICE. O SOCIAL E O POLÍTICO NA PÓS-MODERNIDADE. 7.ª edição. Ed.: Edições Afrontamento: Porto, 1994.
A 3ª edição do Seminário “Federalismo e Políticas Educacionais” é uma realização do Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais em parceria com o Grupo Espaços Deliberativos e Governança Pública do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Gegop-Clacso), a seção estadual da Associação Brasileira de Política e Administração da Educação (Anpae-ES) e o Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo, contando com o apoio da rede Clacso.
Com o objetivo de debater os 30 anos da Constituição brasileira e os desafios para a afirmação do Estado democrático de direito, do federalismo cooperativo e da educação como direito social de cidadania. A partir do tema “Para onde vai a Democracia? O Brasil após 30 anos da Constituição de 1988” o evento se propõe a congregar pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, professores da educação básica e superior, estudantes, gestores e outros interessados para um balanço do Estado democrático de direito e para uma análise de conjuntura das políticas públicas, em geral, e das políticas educacionais, especificamente, no cenário de incertezas diante da crise política, institucional e econômica atual nas mesas, conferências, palestras e apresentações de trabalho.
Assim o evento realizou uma chamada pública e ampliada para pesquisadores das mais diferentes áreas submeterem suas produções à avaliação da Comissão Científica que avaliou os trabalhos em sua relevância e aproximação ao escopo do evento e à qualidade teórica, instrumental, argumentativa e discursiva para as Comunicações orais que se realizarão.
Desse modo os anais ora apresentados compõe importante sistematização das obras que serão discutidas e compartilhadas no evento.
Sejam bem-vindos/as ao nosso evento!
Sejam bem-vindos/as à Vitória!
Grupo de Pesquisa Federalismo e Políticas Educacionais
ORIENTAÇÕES PARA APRESENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO ORAL:
1 - Elabore a apresentação da Comunicação oral, contendo os mesmos itens do resumo expandido (título, autores, introdução/problematização, metodologia, resultados e referências).
2 - Você deverá confeccionar até oito slides para a apresentação oral, utilizando o modelo disponibilizado: (Template Slides.ppt - anexo)
3 - As apresentações ocorrerão no dia 01/11, entre 14:00 e 18:00, conforme atribuição de salas por eixo temático.
4 - O tempo de apresentação é de no máximo 15min e estarão disponíveis notebook e projetor multimídia para arquivos em formato .pdf.
Caroline Falco Fernandes Valpassos | COORDENAÇÃO COMISSÃO CIENTÍFICA (ANPAE-ES) |
Andressa Mafezoni Caetano | PPGMPE / UFES |
Dulcinea Campos Silva | PPGMPE / UFES |
Eduardo Augusto Moscon de Oliveira | LAGEBES |
Elimar Leal | ANFOPE-ES |
Flávia Costa Lima Dubberstein | SEME - CARIACICA |
Itamar Mendes da Silva | PPGMPE / UFES |
Lara Carlette | UEPG |
Larissa Ferreira Rodrigues | PPGMPE / UFES |
Luana Almeida | UNIVAS |
Marcelo Lima | PPGE / UFES |
Michele Pazolini | IFES |
Rodrigo Ferreira Rodrigues | ANPAE-ES |
Sandra Kretli da Silva | PPGMPE / UFES |
Simone Cassini | PMSM |
Simone Smiderle | PPGE / UFES |
Suzany Goulart | CE - UFES / ANFOPE |
Tatiana das Merces | PPGE / UFES |
Tatiana Peterle | PPGE / UFES |
Vitor Gomes | PPGMPE / UFES |
Endereço Eletrônico: federalismo.ufes@gmail.com
Telefone (027) 4009-7777