Este resumo tem por objetivo considerar a visão de Antonio Gramsci nos estudos sobre relações étnico raciais no Brasil. Parte da justificativa sobre a base teórica de uma tese de doutoramento sobre as práticas culturais, políticas e pedagógicas do bloco afro Ilê Aiyê, de Salvador-Ba. Embora o aporte teórico obedeça aos estudos pós-coloniais e culturais, as categorias do pensamento de Gramsci se tornou fundamental em função da abordagem histórico-dialética da pesquisa. A decisão que a princípio parecia incongruente para a elaboração de um referencial atualizado, tornou-se importante quando analisamos a defesa do pensamento gramsciano pelo filósofo jamaicano Stuart Hall sobre as categorias cultura, intelectualidade e hegemonia para explicar a luta antirracista, em especial, na diáspora baiana. A importância de Gramsci se deve, segundo Hall, (2003) às reflexões sobre as formas organizativas dos grupos sociais e culturais localizados na Europa. A preocupação com a questão da especificidade regional, as alianças sociais e as fundações sociais do estado também se ligam ao trabalho de Gramsci com o que poderíamos pensar hoje, por exemplo, a questão “Norte/Sul” ou “Oriente/Ocidente”. (p.285). Além disso, há de se reconhecer a contribuição de Gramsci para uma compreensão mais ampliada e menos economicista da teoria marxista, aprofundando pensamentos sobre reflexos culturais na formação social e outros tipos de relações sociais também determinantes e não apenas os fatores econômicos. Dentro desta compreensão se fez necessária a análise de duas obras de Antonio Gramsci: Concepção Dialética da História e o texto Os intelectuais. O princípio educativo, do livro Cadernos do Cárcere 2. A leitura da primeira obra citada se tornou preponderante na medida em que é preciso empreender na produção do conhecimento a via de sua compreensão histórica. Gramsci aprofunda o entendimento sobre a filosofia da práxis e os conceitos de ideologia e hegemonia, além de ampliar a visão sobre economia crítica e a filosofia marxista do ponto de vista da cultura. Foi também importante para o trabalho compreender os papéis dos intelectuais na organização social, vez que esta pesquisa compreende a intelectualidade negra não como paciente e sim como protagonista da história. A ponte que liga estas obras de Gramsci aos objetivos da pesquisa foi explicitada por Hall, (2003), que dedicou reflexões sobre a importância de Gramsci para o debate em torno de raça e etnicidade, embora o marxista italiano, considerado mártir do fascismo, não tenha em seu tempo, história de vida e espaço geográfico, teorizado objetivamente sobre a temática da cultura afro-brasileira no contexto de supremacia cultural branca na América Latina. Trabalhar as categorias gramscianas de ideologia e hegemonia tornou-se emergente na medida em que as dimensões políticas e ideológicas na construção histórica do movimento negro brasileiro justificam a própria existência das afirmações sociais do Bloco Ilê Aiyê, enquanto entidade que amplia suas ações por meio da cultura e da formação de seus intelectuais, tendo como base a valorização estética, artística, étnica e racial. Essa compreensão demarca outras terminologias gramscianas na amplitude das estruturas e superestruturas, de forma que estas não se liguem de forma única aos fatores econômicos. Pensamos que esta visão de Gramsci fortaleceu as relações de classe em sua completude histórica, social e cultural. Com esta visão, tornamos a tese mais ampla do ponto de vista de seus objetivos para vislumbrar o imbricamento entre cultura e luta contra-hegemônica dentro do Ilê Aiyê, aceitando ser complexa a relação que se efetua entre valores identitários e formação social. Concluímos que a ligação do pensamento de Gramsci com questões étnicas, sociais, culturais e raciais refletidas no ocidente, também explicita a obra de Stuart Hall (Da Diáspora, Identidades e Mediações Culturais, organizada por Liv Sovik, 2003). Teórico dos estudos culturais, da representação e da ideologia, Hall constrói a ponte necessária entre estes aportes e a dimensão de cultura popular e identidade. O faz de forma analítica problemática das diásporas. Consideramos que o pensamento do jamaicano Hall sobre cultura negra e o ser negro contribui para uma compreensão mais ampliada do cenário cultural e político em que está inserido o Ilê Aiyê, além de propiciar outras observações sobre deslocamentos como “estruturas culturais que fazem diferença e as disposições de poder” na visão gramsciana. É também Hall quem nos instiga a perceber as identidades, justificando a política identitária como recurso para a luta contra hegemônica e as relações problemáticas entre o cultural e o social em se tratando de identidades, culturas e política antirracista na diáspora.
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos