Apresenta-se proposta de diálogo com importantes autores do pensamento político e social brasileiro. Pretende-se investigar qual foi a leitura da mobilização social e das lutas por direitos ao longo da história brasileira, bem como verificar de que modo essa leitura permeou as construções teóricas dos autores. Pretende-se, ainda, verificar se essas análises se encontram em sintonia com as que predominam hoje no campo da História. A leitura preliminar de trabalhos empreendidos pela historiografia social brasileira nas últimas décadas sugere novas possibilidades de leitura dos processos históricos, em especial no que diz respeito à conscientização e participação popular.
Busca-se verificar qual é o papel das mobilizações sociais e lutas por direito na leitura do Brasil realizada por autores representantes de diferentes tradições de pensamento tais como Fernando Henrique Cardoso, Caio Prado Júnior e Oliveira Vianna.
Importante ponderar que o intuito não é o de promover uma crítica anacrônica à obra dos autores. Trata-se justamente de compreender qual era a narrativa empreendida por esses autores, representantes de diferentes tradições de pensamento, de tal forma que seja possível compreender se havia, ou não, uma convergência nas leituras feitas por eles. E, a partir disso, refletir sobre os impactos desses consensos nas construções teóricas sobre o Brasil. Acredita-se, ainda, que o retorno a esse debate a partir dessa nova perspectiva pode ser útil para retomar discussões sobre o período contemporâneo, atestando as limitações daquelas proposições diante dos fatos que permeiam o tempo presente.
A resposta preliminar ao problema levantado aponta que predomina nessas obras uma narrativa pouco sensível aos conflitos sociais, não sendo capaz de identificar na história do Brasil manifestações de uma cidadania ativa[1] e do desenvolvimento de uma esfera pública (ainda que precária) no país.
Acredita-se que a leitura do Brasil centrada na falta de uma cidadania ativa tenha implicações importantes, seja na construção de projetos autoritário, seja nos pragmáticos projetos de desenvolvimento associado, ambos incapazes de solucionar as mazelas sociais brasileiras. E que, além disso, essas construções que não reconhecem o protagonismo social em vários momentos históricos produzem estímulos negativos para a auto compreensão do povo brasileiro e para o desenvolvimento de uma sociedade capaz de fazer frente a projetos políticos que afrontam a democracia e flexibilizam direitos.
Para operacionalizar o trabalho, propõe-se a pesquisa em teoria, valendo-se sobretudo de análise de bibliografia. Em obras centrais do pensamento de Fernando Henrique Cardoso acredita-se ser possível identificar a construção de uma narrativa centrada em uma cidadania inativa. Dentre essas obras estão “Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional”[1962](2003), tese de doutorado em que busca compreender a situação social assumida pelo negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul; “Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil”[1963](1972), pesquisa empírica sobre a burguesia brasileira, que buscava verificar a existência de sentimento de classe e nacionalismo na burguesia brasileira, trabalho que serviu de base para sua principal obra: “Dependência e Desenvolvimento na América Latina” [1969] (2011). Escrita em coautoria com Enzo Faletto, essa obra propõe uma análise das dinâmicas políticas e sociais internas a cada um dos países, em especial do Brasil, para pensar as possibilidades de desenvolvimento. Por fim, a obra “Autoritarismo e Democratização” (1975) também será analisada, posto que nela há importante compilação de trabalhos de Cardoso que refletem sobre Estado, Mercado e Sociedade Civil, não só no contexto em que fora escrito, mas também no seu processo de formação no Brasil.
A essa análise de Cardoso se somará uma investigação comparativa com a obra de Caio Prado Júnior, importante teórico que inaugurou uma perspectiva marxista de interpretação do Brasil. Busca-se através de importantes obras do autor, tais quais A Revolução Brasileira, A Questão Agrária no Brasil, Formação do Brasil Contemporâneo, História Econômica do Brasil, O que é Liberdade e História e desenvolvimento, jogar luzes aos aspectos convergentes e divergentes entre as construções dos autores.
Assim como Caio Prado e Fernando Henrique, Oliveira Vianna é detentor de uma vasta produção que perpassa obras como Direito do trabalho e democracia social; Ensaios inéditos; Evolução do povo brasileiro; História social da economia capitalista no Brasil; O idealismo da constituição; Instituições políticas brasileiras; Introdução a história social da economia pré-capitalista no Brasil; O ocaso do Império; Populações meridionais do Brasil. Viana é, no entanto, um expoente de uma tradição marcadamente autoritária. A análise da sua obra, portanto, é bastante rica ao complementar o tripé de análise aqui proposto: a tradição autoritária por ele representada se soma à tradição socialista de Caio Prado e à liberal, de Fernando Henrique.
A análise das obras desses três autores, expoentes de três diferentes tradições, nos permite refletir sobre os impactos das construções sociais sobre o Brasil. Propõe-se, ao final, uma análise crítica dos efeitos produzidos por essas obras a partir também da análise de recentes produções sociológicas e historiográficas. Diversos trabalhos têm realizado rigorosas revisões acerca da participação popular em alguns dos processos político-sociais brasileiros. Na aproximação com a historiografia e com trabalhos sociológicos mais recentes, destaca-se a contribuição das obras de Jorge Ferreira, Ângela de Castro Gomes, Ângela Alonso, Heloísa Starling, Fernando Perlatto, Jessé Souza, André Botelho, João Marcelo Ehlert Maia, dentre outros.
[1] Utiliza-se este termo de forma diversa daquela adotada por alguns autores (BENEVIDES, 1991; 1994; CARVALHO, 1996) que compreendem a cidadania ativa como a capacidade de participar das instituições, de possuir direitos políticos, participar na eleição de representantes ou mesmo de votar em plebiscitos e referendos. Adota-se uma perspectiva mais ampla de compreender a mobilização da sociedade de formas diversas na luta por direitos como uma expressão de cidadania ativa, de modo que tal conceito abarca aquela noção inicial, mas não se restringe a ela. Nessa linha, também não é incompatível com a noção consagrada por Wanderley Guilherme dos Santos de “Cidadania Regulada” (SANTOS, 1979). O fato de alguns direitos (em especial os direitos sociais) terem sido incorporados por governos autoritários não implica na inexistência de uma cidadania ativa. É possível, aliás, perceber tal processo como sinal de que uma cidadania ativa esteve presente anteriormente.
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos