O Poder Coordenador na obra de Alberto Torres

  • Autor
  • Allysson Eduardo Botelho de Oliveira
  • Resumo
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    O presente trabalho constitui a primeira etapa de pesquisa em sede de mestrado em que se busca construir a história do conceito do Poder Coordenador. A partir do eixo metodológico da História dos Conceitos, de Reinhart Koselleck, buscou-se realizar uma análise sincrônica do conceito, isto é, estudá-lo quando de seu surgimento na obra de Alberto Torres.

    Com a promulgação da primeira Constituição republicana, de 1891, não tardaram a aparecer críticas à mesma, eclodindo uma série de propostas de revisão da novel Carta. É em meio a esse contexto que Alberto Torres propõe seu projeto de revisão constitucional, publicado em seu livro A organização nacional, em 1914.  

    Para o jurista fluminense, a causa do mal funcionamento das instituições residiria em seu caráter alienígena, isto é, elas não decorreriam das tradições e necessidades do povo brasileiro. Ao contrário, a Constituição de 1891 teria sido uma importação acrítica da Constituição norte-americana. Assim, o federalismo, se nos EUA correspondeu ao self-government, entre nós nada mais fez do que entregar todo o poder às elites estaduais, enfraquecendo o governo federal. Por isso, os Estados brasileiros agiriam de forma desencontrada, sem qualquer orientação política central.

    Como resposta ao descompasso existente entre a Constituição de 1891 e os costumes e anseios nacionais, em seu projeto de revisão constitucional, Alberto Torres vai procurar adaptar as instituições à realidade. Para ele, a constituição de um país deveria ser o reflexo de suas tradições e cultura, a norma deveria derivar do fato. Nesse sentido, Alberto Torres propõe a criação de um quarto poder: o Poder Coordenador. Ele não seria um mero invento da imaginação, mas seria uma necessidade complementar ao presidencialismo federalista adotado no Brasil. 

    O novo poder seria composto pelos seguintes órgãos: um Conselho Nacional, um procurador da União em cada província, um delegado da União em cada município, um representante da União em cada distrito e um preposto da União em cada quarteirão. Também faria parte do Poder Coordenador o Tribunal de Contas.

    O Conselho Nacional seria o órgão central, mais importante, do novo poder, e, quiçá, de toda a República. Este órgão também seria eleito por um processo eleitoral peculiar que contaria com a participação do Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, do Instituto de Estudos dos Problemas Nacionais e do próprio Poder Coordenador, cabendo a cada uma das cinco classes de eleitores 20% dos votos.

    Apesar de ser um verdadeiro tutor das instituições, é importante destacar que o Poder Coordenador não é irresponsável, isto é, seus membros seriam passíveis de punição caso incorressem em crime comum ou de responsabilidade.

    De um modo geral, pode-se dizer que o Poder Coordenador foi criado para coordenar as atividades do sistema político como um todo, a fim de atribuir-lhe um caráter harmônico e permanente. Assim os entes federados deveriam agir como um organismo, cada um cumprindo sua função, que guardaria interdependência com o organismo social.

    As atribuições do Poder Coordenador podem ser classificadas em quatro categorias principais: fiscalização coordenadora do sistema político, planejamento econômico e fiscal, função emancipadora ou modernizante, e papel de árbitro das disputas políticas.

    Como fiscal do sistema político, cabe-lhe fiscalizar se os órgãos deste – os poderes de Estado e os entes federados – estão cumprindo seu papel de forma conjunta, harmônica e cooperativa. Para exercer essa fiscalização coordenadora, o Poder Coordenador poderia se valer de diversos mecanismos, como (1) autorizar a intervenção federal nos casos em que fosse necessário o emprego de força policial; (2) controle de constitucionalidade de leis e atos normativos federais, provinciais e municipais; (3) exame da normatividade provincial e municipal e reclamar sua harmonização com os interesses nacionais; (4) decretar a perda da autonomia da províncias que caírem em estado de anarquia política, administrativa ou financeira, provendo sua administração pelo período de cinco anos; (5) decretar a perda do cargo das autoridades provinciais e municipais, no caso de incapacidade administrativa; (6) suspender do exercício do cargo o Presidente da República ou Ministro de Estado, que deixar de executar serviço criado por lei ou exceder o gasto previsto para cada serviço. Enquanto fiscal coordenador, o novo poder atuaria como um verdadeiro tutor das instituições.

    O quarto poder assume também importante função de intervenção na economia, a fim de combater a exploração do país pelo capital internacional, bem como atuar no sentido de evitar a ação dos monopólios e trustes, que mitigariam a liberdade comercial. Para tanto, poderia editar normatividade que assegurasse a liberdade comercial em qualquer ente da federação, quando, no prazo de dois anos, este não tivesse tomado a medida.

    Ele também possuiria uma dimensão emancipadora ou modernizante, constando entre suas atribuições a promoção dos direitos individuais, sociais e difusos, como a saúde, direito ao trabalho, à educação e meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, o novo poder antecipa o Estado Social de Direito, com suas características tutelas de direitos sociais e recuperação do poder do Estado. Além disso, uma vez que o Poder Coordenador incorpora atribuições dos outros três poderes e assume uma proeminência sobre eles, ele se apresenta como um Estado dentro do Estado, operando uma centralização de poderes que remete aos regimes de inspiração fascista que florescerão nos anos de 1930.

    Por fim, caberia ao Poder Coordenador também exercer o papel de árbitro das disputas políticas, competindo-lhe: (1) apurar as eleições e proceder à verificação dos poderes; (2) julgar as lides entre os órgãos do sistema político; (3) julgar casos de duplicatas de poderes.

    Devido a essa função arbitral, o Poder Coordenador tem sido constantemente visto como uma adaptação do Poder Moderador ao regime republicano. Decerto, ele, em certa medida, repete um estrato semântico político imperial, embora também guarde sua singularidade e inovação. Essa repetibilidade semântica transcendente pode ser percebida na (1) proposta de um quarto poder superior, distante e neutro das lutas políticas, que seria o eixo central da nação; (2) centralização política, (3) impermeabilidade à participação popular na vida política e (4) papel arbitral nas disputas políticas entre as elites. Esses quatro elementos se manifestam em ambas as instituições, mas de modos diferentes.

    Conquanto o Poder Coordenador repita a semântica política imperial, ele também guarda sua singularidade em relação ao Poder Moderador, que se manifesta: (1) em sua composição; (2) na responsabilidade política do Poder Coordenador e (3) em suas atribuições, que são profundamente diferentes daquelas exercidas pelo Poder Moderador, apesar do papel arbitral desempenhado por ambos, cada um a seu modo.

     

  • Palavras-chave
  • Alberto Torres; Poder Coordenador; História dos Conceitos;
  • Área Temática
  • AT1 - Clássicos do pensamento social brasileiro
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O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.

 

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