O presente trabalho tem por objetivo a compreensão dos temas concernentes à escrita do popular no Brasil a partir das produções poéticas, mas também de textos de estudos sociais. O jornal Nação Cariri, um jornal de cultura e ideias, publicado por primeira vez no Cariri-CE, é chave para entender como as produções de pesquisa social e de produção artística se imbricam na construção de uma identidade do “povo” calcados em novos parâmetros. Isto porque a década de 1980 se insere como “geração” crítica àquela denominada “geração 60”, muito vinculada ao “nacional-popular” e ao que se convencionou chamar, naquele período, “populismos” e “nacionalismos” à esquerda – principalmente às experiências dos Centros Populares de Cultura (CPC’s).
O tema persiste entre as esquerdas como uma constante: como inserir mais uma vez o popular na cultura brasileira? Apesar dos esforços de crítica ao período anterior, o que intelectuais como Marilena Chauí (1984) e Renato Ortiz (1985) almejam é entender o lugar de um sujeito dito ausente na história brasileira, mormente apagado pelas experiências elitistas (tanto à esquerda quanto à direita) de sua voz e lugar na cultura. Observa-se que a disputas no campo do estético e do político correspondem às permanências e “obsessões” intelectuais em torno de um lugar, remetendo, portanto, ao tecido mesmo que mescla uma política do saber e uma poética da narrativa (RANCIÈRE, 2014).
Perscrutar os caminhos de uma “poética da narrativa” sobre o popular corresponde aos esforços no estudo de Nação Cariri. O “Brasil pequeno” (SUSSEKIND, 1985) deve suplantar os espaços trilhados até então por uma elite intelectual na construção do corpo político. Não é por acaso o incômodo dos realizadores e articulistas do Nação Cariri ao não almejarem a pecha de “intelectuais”, mas sim de “poetas” (BARROSO, 1982), marcando um lugar onde não pudesse interferir hierarquicamente a apreensão do “popular” – daí a preferência por estar ao lado dos “poetas populares” (objeto recorrente nas páginas da publicação).
A sensibilidade poética dos realizadores do jornal deve guiar as páginas da publicação de diversas maneiras. Os editoriais e artigos estão permeados de uma escritura que deve ir de encontro a certa compreensão da cultura que não leve em conta a vez do “povo”, o que deve guiar um saber e uma ciência que possa incluí-lo. “Não à lógica formal, à análise fria revestida de ciência [...] a hora é do povo” (EDITORIAL, 1980). A defesa do popular é a chave para a escrita dos artigos de pesquisa social, como é o caso dos textos de Rosemberg Cariry - poeta, cineasta e editor do jornal - concernentes ao estudo dos movimentos sociais: Caldeirão de Santa Cruz do deserto, Quebra-Quilos, Ordens de Penitentes. Encontrar os instantes do povo no tempo é o esforço do poeta que busca, entre outras coisas, a fratura desse tempo, dotando-o de sentido (AGAMBEN, 2009). Perquirir as formas que dão estrutura a um saber novo, ainda que já tão esquadrinhado pelas esquerdas, é o ponto que liga poesia e prosa, ciências sociais e manifestações artísticas: estética e política.
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos