Este texto busca compreender e porblematizar a figuração do sertanejo que está presente na obra icônica de Euclides da Cunha Os Sertões, tomado como alegoria para pensar a figuração da pobreza e do trabalho, dos pobres e dos trabalhadores ao longo da formação brasileira recente. Indo além disto, busco tematizar a disputa em torno do aparecimento destes sujeitos ao longo da nossa história, a encenação pública que fazem de sua condição, a “disputa do sensível” (Rancière) que empreendem. Busca-se compreender por onde se constrói um discurso uníssono em torno do desenvolvimento e do progresso que necessita da construção do seu inteiramente outro, o atraso – encarnado em muitos sertanejos, pobres, trabalhadores. “Todo documento de cultura é um documento de barbárie”. É desta perspectiva que ouvimos estes os dois relatos sobre Canudos, escritos por Euclides da Cunha: as reportagens escritas durante a Expedição Moreira César publicadas no jornal O Estado de S.Paulo, e seu livro Os Sertões. Tomo não só Campanha contra Canudos como uma grande obra de barbárie mas a construção de um discurso sobre o que se passou ali também traz em si as contradições que constituem a modernização e o desenvolvimento. O esforço de contar, informar, explicar e estabelecer portanto alguma legibilidade ao que se viu e viveu nesta marcha contra o suposto atraso de Canudos, de Conselheiro e dos sertanejos rebelados é lida aqui desde a articulação entre seus dois tempos de escritura: o das reportagens feitas no calor da própria guerra contra Canudos e do livro escrito por Euclides da Cunha nos anos depois da Guerra. A tarefa neste texto está longe de ser uma crítica genética ou uma leitura exaustiva do texto que imortalizou Euclides da Cunha e, em certa medida, a própria guerra contra Canudos. Busco trazer alguns elementos que ajudam a abrir uma vereda por onde caminhar, um lugar a partir do qual pensar o desenvolvimento e as narrativas do atraso que lhe estruturam e que, ao longo dos anos de modernização brasileira, são constantemente reatualizadas.
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos