Esta comunicação se baseia na dissertação de mestrado intitulada “Etnologia do Contato Interétnico em Darcy Ribeiro, Eduardo Galvão e Roberto Cardoso de Oliveira (1944-1967)” defendida em agosto de 2019. Tal pesquisa se encaixa nas discussões sobre teoria antropológica tratando-se de um estudo bibliográfico relacional, tendo como fonte principal um conjunto bibliográfico e sendo pautado pelo estabelecimento de relações entre os diversos textos desse conjunto. Reconstruímos as condições intelectuais e sociais que presidiram a elaboração das teorias acerca das relações entre índios e não-índios. Ao mesmo tempo em que elaboramos um corpo cumulativo e integrado de temas, problemas ou questões, que são constitutivos dos estudos antropológicos acerca das teorias do contato interétnico. Centramo-nos numa perspectiva histórica organizando nossa abordagem acerca dessas teorias a partir de uma sequência cronológica de autores e correntes que estabelecem determinadas tradições de pensamento em cujo núcleo reside um conjunto de problemas inter-relacionados. Compreendemos como as obras de Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira se relacionam entre si e ao mesmo tempo mantém suas respectivas “originalidades”. Nesse sentido, tomamos como referência as obras “Áreas culturais indígenas do Brasil: 1900-1959”, de Galvão; “Os Índios e a civilização. Integração das populações indígenas no Brasil moderno”, de Darcy; e “O índio e o mundo dos brancos – uma interpretação sociológica da situação dos Tükúna”, de Roberto Cardoso de Oliveira, bem como atuações e postulados indigenistas desses autores entre os anos de 1944 e 1967. Reconhecemos suas contribuições para as chamadas teorias do contato interétnico tratando de suas obras dentro do pensamento antropológico brasileiro. Os autores aqui estudados figuram como notórios construtores da antropologia do ponto de vista acadêmico, na prática e no posicionamento público diante da defesa de direitos de populações tradicionais ainda hoje continuamente ameaçadas (principalmente povos indígenas). Presidiram a Associação Brasileira de Antropologia (Galvão em 1963; Darcy em 1959; e RCO em 1984), passaram pelo Serviço de Proteção aos Índios, fizeram trabalho de campo entre populações indígenas, circularam internacionalmente e contribuíram para a formação de outros antropólogos de destaque em nosso país, – sobretudo no caso de RCO –, além das próprias intersecções entre os três. Há de inédito em nosso texto a abordagem de três etnólogos que são muito importantes para a Antropologia brasileira numa mesma época, mas em contextos diferentes, em princípio complementares em alguns pontos. São, acima de tudo, clássicos que merecem uma discussão ampla da parte de quem trabalha com Etnologia. Os três autores que escolhemos estudar se inserem no campo da Etnologia indígena, assim como cada um teve inserção acadêmica mais ou menos longeva e contribuiu para a institucionalização da nível superior. Apenas em julho de 1968 surge o Programa de Mestrado em Antropologia Social do Museu Nacional, o primeiro do Brasil com as normas estabelecidas pela plataforma Sucupira, de modo semelhante aos que conhecemos hoje. Galvão foi ligado ao museu Emílio Goeldi e deu aulas na então recém fundada Universidade de Brasília; Darcy criou o Museu do Índio no Rio de Janeiro em 1953; já RCO além de participar da criação da pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, também foi professor da Universidade de Brasília e da Universidade de Campinas. Os três tiveram algum tipo de vínculo com o antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), Darcy mais diretamente inclusive atuando por longo tempo junto ao marechal Rondon, Roberto Cardoso de Oliveira fora etnólogo do Museu carioca ligado a esse mesmo órgão indigenista entre 1954 e 1958, convidado pelo próprio Darcy, já Galvão chefiou a seção de Orientação e Assistência daquela instituição entre 1952 e 1955. Ministro da Casa Civil do governo João Goulart, após o golpe que derrubou o governo em 1964, Darcy exilou-se em vários países da América Latina. Inicialmente no Uruguai, onde deu aulas de Antropologia na Universidad de La Republica e orientou as discussões em torno das reformas do sistema universitário uruguaio. Entre os anos 70 e 80, ainda orientaria e/ou ajudaria a implementar reformas nos sistemas universitários de países como Equador, Colômbia, Peru, Argélia e México. Após sua anistia e retorno definitivo ao Brasil, implementou com Brizola a Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos dos Goytacazes, em 1992. Nesse sentido, a delimitação do recorte temporal se deu pela relevância histórica desse trio em episódios como a criação do Parque Indígena Xingu em 1961, da criação da Universidade de Brasília em 1962, das passagens dos três autores pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e pelos acontecimentos que culminam na extinção desse Serviço de Proteção e na criação da FUNAI em 1967, entre outras questões durante o período supracitado. Encaminhamo-nos então à compreensão do universo histórico-intelectual enquanto antropólogos considerando as etnografias e os conceitos que estudamos a partir do confronto entre esses e as já existentes teorizações acerca desses períodos e divisões paradigmáticas, trazendo à luz alguma contribuição à história da Etnologia brasileira e dos estudos sobre contato. Sendo assim, este trabalho é etnográfico não no sentido estrito da expressão, mas, como coloca, pela busca de obras clássicas dos autores estudados e de suas teorizações e “experiências” etnográficas. Não se trata de fazer um desenvolvimento histórico amplo e minucioso de cada um dos autores e suas obras, mas contextualizá-los na história da Antropologia feita no Brasil. Por fim, atentamos sempre que possível à exposição dos principais desdobramentos posteriores que adotam ou motivam relações com o nosso objeto de pesquisa. O desenvolvimento da problematização desta dissertação fez-se em três capítulos. O primeiro capítulo relacionou em termos institucionais a Etnologia brasileira, entre 1944 e 1967 e a presença das correntes teóricas das quais fizeram parte Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira. O segundo capítulo relatou o desenvolvimento das ideias acerca das teorias do contato interétnico no Brasil considerando o que compreendemos como as principais ideias que nortearam as discussões sobre as relações entre índios e não-índios no Brasil e as ideias que nortearam o indigenismo oficial em nosso país durante boa parte do século XX. O terceiro capítulo esboçou as perspectivas de construção conceitual de cada um dos autores de modo a delimitar suas diferenças e possíveis semelhanças.
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos