Um estudo das interpretações de Manoel Bomfim para a educação brasileira: nação cultura, tradição nos escritos de 1905-1931

  • Autor
  • Marcela Cockell
  • Resumo
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          Manoel Bomfim (1868-1932) foi um intelectual brasileiro atuante em diversos campos como médico, escritor, jornalista, político e professor como grande parte de sua contemporaneidade da virada do século XIX para o século XX. Contudo, era engajado em sua autenticidade: um intérprete e um observador do país, em especial, da transformação urbana, social, política e econômica dedicando parte das suas preocupações às questões educacionais. Transita no cenário da Primeira República (1889-1930) na Capital Federal, que também vivencia a Belle Époque de 1898-1914, segundo Needel (1993), e todo o ideário de modernidade e civilidade.

             Dentre suas frentes de atuação, no âmbito da educação foi professor e diretor do Pedagogium (1896-1919) e Escola Normal do Rio de Janeiro diretor da Instrução Pública do Distrito Federal e diretor interino da Escola Normal do Rio de Janeiro, lecionando moral e cívica (de 1897 até 1902), pedagogia e psicologia. Atuou como deputado federal pelo Estado de Sergipe (1907-1908) e foi membro da Liga Brasileira de Saúde Mental (1923) e Associação Brasileira de Educação (ABE).

    Neste trabalho, que parte de uma pesquisa de doutoramento em andamento sobre o seu ideário intelectual, pretendemos refletir sobre os eixos argumentativos relevantes em na obra de Manoel Bomfim marcada por uma perspectiva contracorrente: a relação das concepções de nação, tradição e cultura, especialmente nas obras A América Latina: males de origem (1905), que consideramos o ato inaugural de seu contradiscurso; e Cultura e educação do povo brasileiro (1931), último livro do autor, e  talvez por isso, carregue nuances diferenciadas de suas preocupações do por vir brasileiro, tanto nas questões sociais como educacionais.

    Vale destacarmos a dialética da sua da produção em um cenário histórico que perpassa as suas obras entre 1905 a 1932, como a Primeira República (1989-1930) e a Belle Époque (1898-1914). São elas: A América Latina: males de origem (1905); Através do Brasil (1910); Lições de Pedagogia (1915); Noções de Psicologia (1916), Primeiras Saudades (1920), Pensar e Dizer (1923); Método dos Testes (1928); O Brasil na América (1929); O Brasil na história (1930); O Brasil nação (1931) e Cultura e educação do povo brasileiro (1931). Podemos notar que suas obras, neste trabalho nos atemos aos livros, variam entre manuais pedagógicos, literatura de formação e livros que têm como objetivo interpretar a história e a sociedade brasileira.

                Para refletirmos acerca da relação entre nação, cultura e tradição especialmente do debate em torno da educação, partiremos do contradiscurso do autor em A América Latina: males de origem (1905) e as suas resistentes, porém cansadas, ideias Cultura e educação do povo brasileiro (1931) último livro do autor publicado postumamente em 1932. Essa questão nos permite refletir sobre um ideário que atravessa a ação/produção de Manoel Bomfim a partir do que consideramos seus grandes textos (LACAPRA, 1980).

                O contradiscurso de Bomfim e sua ação contracorrente é o que nos permite considera-lo a partir do conceito de entre-lugar (SANTIAGO, 2000), em que o autor questiona a dubiedade da intelectualidade que se coloca num repertório de “imitação” de conceitos canonizados enquanto deveria operar deslocamentos e evidenciar as diferenças, buscando transgredir e não apenas repetir. A sua teoria do parasitismo consiste na lógica de denominação externa imposta pelo colonialismo europeu, combinada com a dominação interna imposta pelas elites, causando males aos povos latino-americanos. O que demostra que para além do atraso por conta da mestiçagem, o que construíamos era uma relação de dependência fomentado pelas elites na manutenção do patrimonialismo brasileiro, como uma eterna oligarquia e também dependência cultural, tendo como referência os países ibéricos, ou neo-ibéricos, como por exemplo, a inspiração nos moldes franceses para aquilo que considerávamos modernidade e civilidade.

    Em Cultura e educação do povo brasileiro (1931) para além do discurso da educação como redenção e “cura para os males”, Bomfim pensa a linha tênue entre a tradição, inovação e a renovação (BURKE, 2007) em relação ao quanto a educação era relevante para o progresso. Em deu ideário, a preocupação e a discussão em torno da educação como campo científico e, utilizando a metáfora bomfiniana, “remédio” para nação, é uma presença cativa e nos permite  compreender que a relação existente entre a lógica do parasitismo e a cultura parasitária que parece se atualizar no usos e léxico pandêmicos.

    REFERÊNCIAS

    BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. Parasitismo Social e evolução. Rio de Janeiro: 1905.

    ______. Cultura e Educação do povo brasileiro: pela difusão da instrução primária. 1931.

    ______.  A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topobooks, 2005.

    BOTELHO, André.O batismo da instrução: atraso, educação e modernidade em Manoel Bomfim. Dissertação de mestrado em Sociologia. 1997. 197 f. Universidade Estadual de Campinas, 1997.

    BURKE. P. Cultura, tradição, educação. In: GATTI JÚNIOR, Décio; PINTASSILGO, Joaquim (Orgs). Percursos e desafios da pesquisa e do ensino de História da Educação. Uberlândia: EDUFU, 2007.

    CAMARA, Sônia.; COCKELL, Marcela. O intelectual educador Manoel Bomfim e a interpretação do Brasil e da América Latina. In: ANAIS II ENCONTRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2010, Unirio.

    LACAPRA, Dominick. Rethinking intellectual history and reading texts. History and Theory, v. 19, n. 3, 1980. p. 245-276.

    MIGNOT, ANA CHRYSTINA VENANCIO (Org). Pedagogium: símbolo da modernidade educacional republicana. Rio de Janeiro: Quartet, 2013.

    NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

    SANTIAGO, Silviano. Uma Literatura nos Trópicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

    SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: Ática, 1994.

    SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René. Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. 

    ______. Jean-Paul Sartre, um intelectual engajado. In. NOVAES, ADAUTO.  O silêncio dos intelectuais. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

     

  • Palavras-chave
  • Manoel Bomfim, contracorrente, nação, cultura, tradição, educação.
  • Área Temática
  • AT6 - Educação e cultura no pensamento social e educacional
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