Direito e Decolonialidade: A importância do conhecimento histórico na formação do estudante de Direito
Sthella Laryssa Barros Loureiro Lima[1]
Àrea Temática-6
RESUMO
A análise tem como base teórica, os estudos formulados por Silva (1826), Montoro (1968), Malheiros (1976), Cesáire (1978), Moura (1992), Fanon (2005), Kilomba (2008), Ferreira (2015) e Davis (2018). O presente artigo. propõe uma análise, a acerca da importância do conhecimento histórico pelo (a) estudante de direito, diante dos discursos punitivistas legitimados, sobre a associação da criminalidade a figura do (da) negro (a). O estudo tem como métodologia, à pesquisa bibliográfica. Uma abordagem a partir da colonização a contemporaneidade, através de uma perspectiva histórica e jurídica, que historiciza a realidade comportamental, evidenciando as relações com a estrutura. Este artigo constitui um capítulo da minha dissertação do mestrado. No segundo semestre de 2011, completei minha formação no bacharelado do curso de Direito. Na ocasião fiz a entrega do meu Trabalho de Conclusão de Curso, cujo título foi “O direito das detentas à maternidade” (2010-2011). O tema foi a análise das condições estruturais e de saúde, oferecidas as internas durante a gestação e pós-parto, bem como as particularidades referentes a permanência da genitora com o nascituro no interior do presídio durante o período de amamentação.
A metodologia empregada foi a observação-participante, através de entrevistas realizadas com as apenadas, com os funcionários e com a diretora do presídio feminino. À medida que fui mantendo contato com a realidade prisional, surgiram muitos questionamentos que desnudaram minhas concepções a respeito da diferença entre o solo teórico e o relevo das práticas no âmbito do ordenamento jurídico. Foi justamente a partir dessa observação que surgiu o interesse em iniciar pesquisas dirigidas a gênese histórica do Sistema Punitivo.
Percebi que esse posicionamento causava um certo desconforto entre algumas pessoas que me fizeram questionamentos como: “Porque essa preocupação com uma pessoa grávida que cometeu um crime?; “Você não acha perigoso ir fazer um trabalho no presídio?”; “Você só vai perder tempo, elas vão mentir para você”. Eu sinceramente ouvi os comentários, mas não os levei a sério. Não sabia exatamente como seria o resultado da pesquisa, como em qualquer investigação, mas perseverava que seria proveitosa e traria novas interpretações as minhas concepções como estudante de direito.
A época do término do Trabalho de Conclusão de Curso em 2010, o presídio feminino de Salvador, não possuía nenhum prédio ou instalações específicas para a vivência das internas, com seus filhos recém-nascidos. Eles permaneciam com as mães dentro das celas e, segundo depoimentos de algumas delas, nem sempre os bebês permaneciam junto as mães pelo período completo de seis meses para amamentação.
As justificativas se fundavam no nível de insalubridade do ambiente, bem como aos impactos na formação do indivíduo em um espaço de encarceramento. Por mais incoerente que pareça, no Brasil o direito de permanecer com a mãe é uma conquista dos recém-nascidos. No Brasil, em 2010, até a finalização do meu Trabalho de Conclusão de Curso, existia apenas um presídio com instalações especificas, com berçário e instalações condizentes, localizado em Vespasiano, Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG). O Centro de Referência da gestante privada de liberdade, construído pelo Senador Aécio Neves, abrigava detentas de todo o Estado, com filhos de até um ano.
Temos consciência de que o ambiente prisional não representa o modelo de infância ideal, sendo este um tema polêmico, porém, profissionais da área, após alguns anos de debate, defendem a ideia, de que é melhor que uma criança venha a nascer no cárcere, do que retirar dela, o direito de ser criado por sua mãe. Neste período, segundo dados do Infopen, existiam 4.223 (quatro mil, duzentos e vinte e três) mulheres negras presas no Brasil e o número de 9.318 (nove mil, trezentos e dezoito) mulheres brancas presas.
Fonte: Dados Infopen/2010 (depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-analiticos/br/total-brasil-dez-2010.pdf). Mulheres presas - Brasil – 2010 (cor/etnia).Negras/Brancas
Já no Estado da Bahia, os números somavam a 122 (centro e vinte e duas) mulheres negras presas e o número de 86 (oitenta e seis) mulheres brancas presas.
Fonte: Dados Infopen/2010 (http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios- analiticos/BA/ba-dez-2010.pdf) Mulheres presas - Bahia – 2010 (Negras, 59%. Brancas, 41%).
Considero que as pessoas, às quais cometem crimes, deve-se dar o direito de sua defesa, assim como ás vítimas e seus familiares merecem atenção através de acolhimento, assistência jurídica e psicossocial do Estado. Entretanto, a defesa daqueles que violam leis e condutas preestabelecidas pelo sistema estatal, ainda não é uma tarefa permeável a compreensão da sociedade. Diante desta perspectiva, considero uma necessidade a realização de estudos que realcem a gênese histórica do indivíduo, de forma a alcançar a base familiar, a formação escolar, o conteúdo de experiências vivenciadas.
Referências
Cesáire, Aimé. 1978. Discurso sobre o colonialismo. Prefácio de Mário de Andrade. Livraria Sá da Costa Editora. 1º ed.
Davis, Angela. 2018. Estarão às prisões obsoletas? Tradição de Marina Vargas – 1ºed.- Rio de Janeiro: Difel, 2018.
Fanon, Franz. 2005. Sobre a violência. In: Fanon, Frantz. Os condenados da terra. – Juiz de fora: Ed. UFJF.
Ferreira, Ricardo Alexandre. 2015. Polissemias da Desigualdade no livro V das Ordenações Filipinas: o escravo integrado. História (São Paulo) v.34, n.2, p. 165-180, jul./dez.
Kilomba, Grada. 2008. Memórias da Plantação. Episódios de Racismo Cotidiano. Tradução: Jess Oliveira. Editora: Cobogó.
Malheiros, Agostinho Marques Perdigão. 1976. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social. 3ª edição. 2 v. Petrópolis/Brasília: Vozes/INL.
Moura, Clóvis. 1992. História do Negro Brasileiro. Série Princípios. Editora Àtica. 2ª Edição.
Montoro, André Franco. 2000. Introdução a Ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais. 1968. 1ºed.
Shoha, Ella; STAM, Robert. 2006. Crítica da Imagem Eurocêntrica. Tradução: Marcos Soares. São Paulo: Cosac Naify.
Silva, José Eloy Pessoa da. 1826. Memória Sobre a Escravatura. Projeto de Colonisação dos Europeos, e Pretos da Àfrica no Império do Brasil por J. E. P. da S. Rio de Janeiro, na Imperial Typografia de Plancher, Impressor-Livreiro de sua Majestade Imperial.
Vieira, Antônio S. J. 1940. Sermões Pregadas no Brasil. Lisboa: Agência Geral das Colônias.
[1] Bacharela em Direito. Pós-graduada em Direito (Universidade Federal da Bahia – UFBA). Pós-graduada em Educação e Direitos Humanos (Universidade de Brasília – UNB). Mestrado em Antropologia Social, com ênfase em Antropologia Jurídica, em andamento (Universidade Federal da Bahia – UFBA). larabarroz@hotmail.com
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos