O significado de "autonomia periférica" em Hélio Jaguaribe: apontamentos de pesquisa

  • Autor
  • Pedro Nogueira da Gama
  • Resumo
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    Nesse trabalho específico, realizei apontamentos sobre os significados de “autonomia” em Hélio Jaguaribe a partir da análise de parte de sua produção intelectual. Privilegiei nesse momento as seguintes obras de Jaguaribe em que temáticas do desenvolvimento, da defesa nacional e da autonomia foram abordadas e relacionadas: Autonomia periférica e hegemonia cêntrica (1979) e O novo cenário internacional: conjunto de estudos (1986). Como hipóteses, entendo que a concepção de “autonomia” de Jaguaribe tem como base a profunda relação entre política, defesa, desenvolvimento econômico e social. Além disso, a apreensão e compreensão da conjuntura por Jaguaribe são feitas de forma pragmática à luz de objetivos propositivos: aprimorar o desenvolvimento político, econômico e social do Brasil.

    Realizado na cidade chilena de Viña del Mar, entre os dias 7 e 11 de janeiro de 1979, o Seminário “América Latina e a Nova Ordem Econômica Internacional” contou com a apresentação de um estudo realizado por Hélio Jaguaribe intitulado Autonomia periférica e hegemonia cêntrica. Sua publicação ocorreu no mesmo ano na revista Estudios internacionales.

    Para Jaguaribe, a autonomia do país está íntima e diretamente relacionada com o que ele qualifica de “técnica e empresarial”. Ela não seria vislumbrada enquanto não se estabelecesse um planejamento central que propiciasse o rompimento com o domínio das corporações transnacionais sobre inovações tecnológicas e mercados. Mas tal esforço não seria suficiente. Enquanto as elites e as classes médias dos países periféricos espelhassem suas expectativas e hábitos de consumo nos países centrais, fração significativa da renda nacional, em um ambiente de pobreza geral interna, permaneceria sendo absorvida, não permitindo condições internas para um efeito multiplicador abarcando o desenvolvimento e o êxito técnico, acadêmico, empresarial e industrial em prol da autonomia.

    Na visão do sociólogo, os estados nacionais modernos são uma inovação a partir do arranjo virtuoso envolvendo três aspectos fundamentais: o fundo histórico-cultural comum, assentado em uma base técnica comum, que não é detalhada por Jaguaribe, e a relação, em geral, impessoal e indireta entre seus integrantes, mas que almeja a constância e a fidelidade. De forma modelar, Jaguaribe entende que as sociedades funcionam como sistemas compostos por quatro subsistemas (participacional, cultural, econômico e político). Eles apresentam funções específicas que se relacionam entre si. Cada subsistema gera produtos que alimentam os demais subsistemas, atuando assim como insumos. Por sua vez, é alimentado por produtos específicos dos outros subsistemas. Por fim, as sociedades são limitadas política e culturalmente por seus respectivos Estados nacionais.

    Segundo Jaguaribe, o sistema estatal mundial, ao final dos anos 1970, se encontrava dividido em dois grandes “impérios”, compostos por um conjunto de países comandados por uma das superpotências: o império norte-americano e o império soviético. As relações internacionais se desenvolviam entre os impérios, constituindo um “sistema interimperial”, e no interior de cada império, integrando um “sistema intraimperial”.

    Para o sociólogo, ambos os sistemas intraimperiais se encontravam em crise, ainda que com características distintas. No caso norte-americano, a crise estava relacionada à dependência dos Estados nacionais com o centro “imperial” e aos problemas cada vez maiores para perseguir uma condição autônoma. Esses problemas eram particularmente graves para os Estados periféricos, ou seja, à margem do desenvolvimento. Tal fenômeno se originou e se acentuava devido à continuada contaminação da dinâmica entre os subsistemas internos dos Estados nacionais por insumos e produtos oriundos de outros Estados, em especial, aqueles de caráter político e cultural. O exemplo mais flagrante seria o papel das empresas transnacionais no interior dos Estados periféricos. Nesse sentido, a questão principal envolveria o subsistema cultural. Com os setores mais dinâmicos da economia basicamente nas mãos de empresas transnacionais, os insumos científico-tecnológicos seriam provenientes do centro, o que provocaria um enfraquecimento paulatino do subsistema cultural nacional, obrigatoriamente comprometendo a capacidade dos demais subsistemas do Estado. Em outras palavras, um “subdesenvolvimento” cultural geraria inexoravelmente efeitos negativos na envergadura política, econômica e social da sociedade periférica.

    Para Jaguaribe, por um lado, a consequência mais perniciosa da perda e, no limite, do fim da autonomia de um Estado periférico seria restringir-se a um território e um mercado, definido pelo centro “imperial”, e seu esfacelamento como um projeto de nação. Por outro lado, a influência dos subsistemas externos traria ganhos às sociedades e às elites centrais. Em sintonia com as reflexões anteriores, Jaguaribe reforça a tese de que a perda de autonomia dos Estados e de suas sociedades de forma a assegurar sua capacidade de defesa externa geraria incoerências.

    A querela entre os dois sistemas imperiais mobiliza os Estados Unidos a não apenas consolidar, mas ampliar seus recursos de poder, assim como sua envergadura política, militar, econômica, tecnológica e geopolítica. Visando esse fim, submete a soberania dos Estados no interior de seu sistema aos seus interesses.

    Para Jaguaribe, a atuação norte-americana no âmbito intraimperial teria por objetivo atender às demandas de sua estrutura produtiva. Em primeiro lugar, seria preciso garantir o acesso às matérias-primas e suas fontes, assim como aos insumos categóricos com baixa disponibilidade no próprio território norte-americano. Além disso, seria necessário ter acesso facilitado aos mercados internacionais, tanto para a exportação e o escoamento da produção nacional, acumulando assim divisas, quanto para uma manutenção mínima do crescimento econômico e do desenvolvimento tecnológico. Como consequência, a soberania dos Estados no interior do sistema imperial norte-americano também é submetida economicamente.

    Nesse sentido, Jaguaribe ressalta outro aspecto contraditório: se o desenvolvimento social do centro é umbilicalmente associado, tanto do ponto de vista ético quanto ideológico, ao desenvolvimento social dos demais países, incluindo aqueles da periferia, o mecanismo que garantiria o desenvolvimento do centro e a construção de sociedades livres, democráticas e mais igualitárias acabaria por fomentar o seu oposto na periferia. Esse raciocínio, segundo o sociólogo, se aplicaria de forma semelhante a uma análise interna de cada sociedade, na qual as elites são privilegiadas em detrimento da maior parcela da população.

    Para a maioria dos Estados periféricos, submetidos à lógica da influência negativa do subsistema cultural norte-americano, o acesso restrito a tais condições dificultava sobremaneira a construção de um processo de autonomia.

  • Palavras-chave
  • Autonomia; Desenvolvimento; Defesa; Hélio Jaguaribe
  • Área Temática
  • AT5 - Economia, Estado e sociedade no pensamento social e político
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