INTRODUÇÃO
Partindo de reflexões e questionamentos pessoais, a presente pesquisa se desdobra no campo cultural dentro da temática étnica/racial, através da construção de uma poética em artes visuais evocando uma aproximação por meio da visualidade à cultura afro-brasileira.
O mote da pesquisa se desenvolve a partir de percepções autobiográficas, e a uma necessidade de aproximar-me a referenciais que contemplem a mim. A partir de então se constrói a consciência do quanto a falta de elementos, e debates sobre negritude e à cultura afro-brasileira ao longo de minha vida, moldou a visão sobre mim na qualidade de mulher negra. Dentro deste contexto propõe-se a investigação da importância de referências que contemplem culturalmente e a visualidade de pessoas negras. Para que seja possível a desconstrução do olhar racista sobre si e sobre imagens atuais e antigas da população negra do Brasil, a pesquisa busca ressignificar imagens de antepassados escravizados bem como tornar visível a história e narrativa dessas pessoas que contribuirão na construção cultural e histórica do nosso país e que muito pouco é discutido.
A POÉTICA DE APROXIMAÇÃO
Pesquisam-se percepções autobiográficas, investigam-se referências que contemplem culturalmente a visualidade de pessoas negras. O carácter autobiográfico presente na pesquisa se desenvolve por meio de percepções e anseios inerentes na construção de uma consciência racial. Desconstruir o mito da diversidade racial nacional, entender os lugares que o povo negro brasileiro acupa e sua dimensão enquanto população faz com que entendemos melhor a necessidade de práticas, abordagens e discussões que levantem os questionamentos e problemáticas que existem nesses contextos. Partindo de reflexões e questionamentos pessoais, a presente pesquisa discute subjetividades étnico/raciais, através da construção de uma poética em artes visuais que se objetiva a aproximação por meio da visualidade à cultura afro-brasileira.
O apagamento da cultura afro-brasileira não diz respeito apenas a dissolução de suas manifestações, mas no modo como são representados, em grande parte a representação visual da população negra como um todo foi apresentada de modo unilateral, do ponto de vista externo, colonizado. Imagens que carregam dor, sofrimento e esteriótipos de inferiorização e subalternidade. Não é de se espantar que ninguém queira em primeiro momento ser associado a essas questões, tais abordagens apenas dão seguimento ao afastamento da identidade cultural, fazendo com que o sentimento de pertencimento não aconteça de maneira natural.
Na arte as representações afro-brasileiras sempre marcaram presença, porém a conquista por espaços que apresentem narrativas e visualidades do ponto de vista de artistas negros vem sendo difundida principalmente na arte contemporânea. Artistas brasileiros como Rosana Paulino, Ayrson Heraclito, Dalton Paula são alguns dos nomes que se destacam com produções artísticas que abordam a cultura afro-brasileiro de modo subjetivo, ressignificando visualidades, trazendo discussões pertinentes para o campo da arte e explorando a dimensão cultural afro-brasileira.
Assim como a curadora Diane Lima que tem como foco de sua prática curatorial a perspectiva decolonial de mulheres negras. Onde questiona os padrões e as representações de corpos, geografias e epistemologias na história da arte, partindo do pressuposto de que instituições e praticas científicas de saber delimitam o que é belo, o que tem valor e o que deve ser visto.
Considerando a generalizada ausência de mulheres negras assumindo essa posição, falamos de uma prática curatorial que, além de trazer um arcabouço de saberes contemporâneos e ancestrais próprios das culturas afro-diaspóricas, se dá na experiência vivida. (LIMA, 2018, p. 247)
A presente pesquisa tem como objetivo tornar possível uma aproximação a cultura afro-brasileira através da visualidade, afim de ressignificar o olhar sobre si através do olhar desconstruído de esteriótipos e racializações pelo outro. Sob a perspectiva dos estudos decoloniais, a pesquisa trata de uma autonomia sociocultural e epistemica afim de estimular e promover prática autônomas, subjetivas e autobiográficas que elucidem as colonizações de poder e tornem possivél meios que reconstruam a realidade. O processo de construção das obras sempre foi parte importante em todos os deslocamentos anteriores da pesquisa, a aproximação com a visualidade de referenciais afro coloboram significativamente para a construção de uma auto-estima e de representações que contemplem a si enquanto pessoa negra. A série de obras produzidas em 2020 tem como nome “Verse através”, por meio de características da técnica de gravura – técnica presente na pesquisa desde seu início. Através do cobrimento em tinta preta do autorretrado é extraindo a imagem de referenciais visuais do século XIX com o auxílio de goivas.
A utilização dos autorretratos no momento atual da pesquisa segue em direção ao objetivo principal que é o de aproximar, neste sentindo o caráter autobiográfico e a subjetividades seguem junto a autodefinições e autoavaliações, conceitos da feminista negra, e socióloga norte-americana Patricia Hill Collins. Tais conceitos seguem na mesma direção que a pesquisa busca em propor uma abordagem autônoma que retome relações e reconfigure a realidade, assim como menciona os estudos decoloniais.
Autodefinição envolve desafiar o processo de validação do conhecimento político que resultou em imagens estereotipadas externamente definidas da condição feminina afro-americana. Em contrapartida, a autoavaliação enfatiza o conteúdo específico das autodefinições das mulheres negras, substituindo imagens externamente definidas com imagens autênticas de mulheres negras. (COLLINS, 2016, p. 102)
As autodefinições e autoavaliações promovidas por essa relação de ressignificar o olhar sobre si através do olhar perante o outro, tornou-se mais necessário no momento delicado em que vivemos, a pandemia do covid-19 reconfigurou o nosso cotidiano e as relações, tornando o autoconhecimento, práticas de autocuidado e principalmente a relação de cuidado com o outro mais presentes e até mesmo necessárias. Na pesquisa presente assim como em muitas outra situações a crise pandemica teve influencias e gerou novos caminhos estreitando as possibilidades e tornando mais urgentes algumas escolhas.
REFERENCIAIS
LIMA, Diane. Não me espere na retina. Sur - Revista Internacional de Direitos Humanos• SUR 28 - v.15 n.28 • 245 – 257, Dez, 2018. Disponivel em: < https://sur.conectas.org/nao-me-aguarde-na-retina/>. Acesso em: 29, de setembro de 2020.
COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do
pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado. V.31, N.1 Janeiro/Abril, 2016. Disponivel em: < > Acesso em: 29, de setembro de 2020.https://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-69922016000100099&script=sci_abstract&tlng=pt
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos