Raymundo Faoro, jurista de formação, busca demonstrar em sua obra de principal destaque e objeto de análise deste estudo, a formação do patronato político brasileiro, considerando o patrimonialismo enraizado nas relações políticas do país. Para ele, na contramão de outros historiadores, não teria havido o feudalismo em Portugal, mas sim, uma dominação tradicional e patrimonial, uma vez que a Coroa formou, desde a Reconquista, grande patrimônio rural que, por sua vez, confundia-se com o domínio da casa real e com as necessidades coletivas, de maneira que era difícil distinguir o bem público do privado, problema esse que foi trazido para o Brasil e, além de nortear as relações político-econômicas da Colônia e do Império, norteou também a República
Sob essa ótica, Faoro difere do sociólogo Max Weber que, por sua vez, primeiro apresentou o conceito de patrimonialismo, ao apontar a ausência do feudalismo em Portugal, como ora mencionado e, além disso, ao construir seu tipo com outras características peculiares, como a fusão do público com o privado de Portugal ao Brasil, e a administração do território como propriedade do estamento, que de aristocrático se burocratiza, adquirindo uma particularidade ibero-americana. Sendo assim, define-se patrimonialismo como um padrão de relações políticas de longa duração em que este não se mede apenas pela extensão. Tem a profundidade coincidente com a história brasileira, nesta incluída sua origem ibérica e vai até a atualidade, perpassando as décadas de 80 e 90.
Tendo isso em vista e, considerando o período republicano brasileiro, é evidente que, muito embora houvesse um renascimento liberal, o capitalismo politicamente orientado continuava existindo, uma vez que o Estado continuava e continua intervindo e dirigindo a economia visando os interesses particulares do grupo que controla, isto é, o estamento. Diante disso,o que se propõe a partir deste trabalho é compreender a obra "Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, considerando o modo cirúrgico de Faoro ao prelecionar que ao tirar-se do capitalismo brasileiro o Estado, pouco ou nada sobra, tendo em vista o patrimonialismo existente na relação entre o público e o privado.
Além disso, será demonstrada a posição do jurista como um outsider, conceito cunhado por Norbert Elias, uma vez que o autor é capaz de explorar o campo jurídica, clarividente na obra e, ao mesmo tempo, se utilizar da historiografia brasileira para explicar não só fenômenos históricos, mas também jurídicos e políticos. Logo, será evidenciada a transitação entre os campos e o caráter jurisdicista da obra, decorrente do rigor analítico do saber do autor que, por sua vez, compara, define e distingue durante todo o livro . A riqueza de detalhes explicitada por Faoro, desde a transferência do Estado luso até a República, revela um universo de argumentos para explicar o movimento do mundo ou do recorte de mundo que a escrita jurídica pretende analisar.
Com esses objetivos em mente, é oportuno lembrar que o autor possui um carreira de intensa militância política, pois além de ter atuado como presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) durante o biênio 1977-1979, atuou, principalmente, contra o regime civil-militar instaurado no país entre 1964-1985. Ressalta-se que, como pretende-se abordar, como recorte histórico, o pensamento social brasileiro e seus clássicos, nada mais oportuno que trazer a visão de Faoro a respeito da República, utilizando o referencial teórico exposto, buscando analisar a atualidade desse clássico brasileiro.
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos