Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise do texto “Raízes da exclusão social: o preconceito e sua força desagregadora na sociedade”, de autoria da socióloga Maria Olga Mattar (1923-2012), apresentado originalmente, no ano de 1958, como tese de livre docência, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (FFCLPR). Nesta pesquisa, a autora buscou compreender as raízes dos preconceitos sociais fornecendo, em um de seus capítulos, uma intepretação sobre as as discriminações e desigualdades baseadas em gênero. Seu principal objetivo era desmistificar os preconceitos contra as mulheres e as noções de inferioridade física e intelectual atribuída, naquele contexto, ao sexo feminino, tanto entre os homens quanto entre as mulheres. Para tanto, a partir da recuperação da trajetória de Olga Mattar e do contexto de produção da obra em questão, pretende-se explorar a hipótese de que a socióloga teria convertido sua própria experiência pessoal e profissional, realizada em um espaço intelectual predominantemente masculino, como chave de inflexão analítica para abordar o tema da condição das mulheres na sociedade brasileira de meados do século XX.
Filha de Jorge Pedro Mattar (1989-1976), um libanês radicado no Brasil, e de Wanda Bruginski Mattar (1904-1969), de origem polonesa, Maria Olga Mattar nasceu no ano de 1923, no município de Lapa, Paraná. Em 1941, formou-se professora primária na Escola de Formação de Professores de Curitiba. Durante a década de 1940, trabalhou como professora primária e, em 1949, passou a lecionar no ensino secundário. No ano de 1944, formou-se em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (FFCLPR) e, em 1951, foi admitida, na mesma instituição, como professora auxiliar na Cátedra de Sociologia, sob supervisão de Bento Munhoz da Rocha Netto (interino). Em seguida, no ano de 1958, defendeu sua tese de livre-docência recebendo o título de doutora em Sociologia.
Olga Mattar foi a primeira mulher a ser contratada como professora pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) - antiga Faculdade de Filosofia e Letras que passou a integrar a Universidade Católica do Paraná no ano de 1959 - lecionando nessa instituição por cinco décadas, da qual se desligou em fevereiro de 2007. Quando ingressou na PUC-PR, ela alternava as aulas na Universidade Federal do Paraná (UFPR), instituição pela qual não optou pela dedicação exclusiva, aposentando-se em 1981 e, ainda, atuava como professora do Colégio Estadual do Paraná (CEP), onde lecionava desde 1951. Além da tese, a intelectual ficou conhecida por elaborar dois manuais escolares de sociologia: Contexto Social e Organização Social, ambos de 1970.
Na tese, tendo como um dos objetivos investigar se as mulheres sofriam preconceito no ambiente escolar e acadêmico, Olga Mattar realizou uma pesquisa com 405 estudantes do nível médio e superior de ambos os sexos (259 mulheres e 146 homens). No questionário 11 perguntas foram destinadas às mulheres e 5 aos homens. As perguntas endereçadas às mulheres estavam divididas em três blocos: o primeiro estava relacionado com a escolha do curso em andamento, as dificuldades enfrentadas e as influências que elas teriam sofrido no processo de escolha; o segundo bloco, refere-se às carreiras consideradas adequadas ou não ao sexo feminino, e o último bloco destina-se ao entendimento da definição do papel social que ambos os sexos deveriam desempenhar naquele contexto.
No que diz respeito às dificuldades encontradas pelas entrevistadas para realizar o curso que escolheram ou que desejavam escolher no momento da aplicação do questionário, aparece, com frequência, as restrições familiares como motivos principais. De acordo com as entrevistadas pela pesquisa de Olga Mattar, as carreiras consideradas mais adequadas às mulheres, embora algumas declarassem que qualquer profissão poderia ser acessível à mulher, foram: o magistério, a farmácia, a medicina, a odontologia, a filosofia e dona-de-casa, e entre aquelas com maior rejeição estavam: a engenharia e o direito. No conjunto, tanto a pesquisa quando as afirmações das entrevistadas revelam que, de um lado, novas oportunidades de realização pessoal e profissional começavam a surgir para as mulheres, de outro, essa mudança não era acompanhada da transformação dos valores morais relacionados ao papel que a mulher deveria desempenhar na sociedade, particularmente, sobre o exercício das funções domésticas. Além disso, a autora identifica uma hierarquia de prestígios entre profissões baseadas em gênero.
De outra perspectiva, as respostas do grupo masculino à pesquisa aplicada pela socióloga demonstraram duas atitudes: uma de reprovação e reserva e outra de aceitação das mudanças na condição da mulher daquela época. Ainda por parte dos homens, uma grande maioria reprovou a possibilidade de entrada das mulheres nas universidades com receio de que, segundo os depoimentos coletados pela autora, a mulher abandonasse a família e passasse a ocupar o “lugar do homem”, entendendo, portanto, que alguns espaços eram destinados somente a eles. Ademais, a autora identifica uma dificuldade na compreensão do grupo masculino às transformações sociais daquele contexto que ampliavam as perspectivas pessoais e profissionais das mulheres para além do domínio do lar e do marido.
Tendo isso em vista, o presente trabalho procura, de um lado, pensar o gênero como um marcador importante, mas não exclusivo, da experiência social e intelectual de Olga Mattar, considerando, assim, as assimetrias e desigualdades por ela vivenciada no âmbito da construção da carreira. De outro lado, avaliar em que medida o impacto do gênero e das mudanças sociais ocorridas no contexto de produção de sua tese, marcou a escolha de seu tema de pesquisa e do tipo de abordagem por ela conferido ao tratamento dos preconceitos de gênero. Por fim, acredita-se que o trabalho de Olga Mattar possa ser ilustrativo de uma forma como a temática das mulheres e da condição feminina foi tratada no pensamento social brasileiro antes do processo de rotinização e institucionalização da área de estudos de gênero como campo disciplinar a partir da década de 1970.
O II Seminário de Pensamento Social Brasileiro – intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, realizado entre os dias 23 e 27 de novembro de 2020, na modalidade online, transmitido pelas páginas oficiais do evento no Youtube e no Facebook e pela DoityPlay.
https://netsib.ufes.br/seminario/cadernoderesumos