Introdução
Esse estudo está inserido no universo das discussões sobre cultura lúdica na infância e tem como campo de reflexão o trabalho desenvolvido na Brinquedoteca, laboratório de ensino do Departamento de Educação do Centro de Ciências Humanas, Sociais e Agrárias/CCHSA – da Universidade Federal da Paraíba. Nosso objetivo é discutir a relação da criança com o brinquedo, a partir da organização dos ambientes da referida brinquedoteca.
Como laboratório de ensino, a brinquedoteca é direcionada para a formação de professores e pesquisas que abordem questões da infância e o brincar. Nesse ambiente, é possível observar aspectos que constituem a cultura lúdica na infância nos momentos em que as crianças brincam com seus pares e ou individualmente nos ambientes. A organização desses ambientes tem como referência as brincadeiras das crianças identificadas na observação participante realizada durante as visitas feitas ao espaço por grupos de estudantes da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental de escolas da região na qual a Universidade está localizada.
A discussão parte de estudos teóricos relacionados a infância e culturas infantis, realizados por autores como: Brougère (2013), Friedmann (2011), bem como a pesquisa etnográfica com criança desenvolvida por Marchi (2018).
Referencial teórico
Brougère (1999), discute que “a cultura lúdica é antes de tudo um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo possível.”. Esses procedimentos constituem um conjunto de ações que definem a existência da atividade lúdica, que para esse autor são “[...] esquemas que permitem iniciar a brincadeira, já que se trata de produzir uma realidade diferente daquela da vida quotidiana.”
Nessa relação de reinvenção da vida cotidiana, o brinquedo assume um papel importante na construção e compreensão dessa realidade pela criança. Ele é definido pela sua ação brincante que movimenta o jogo pela imagem a ele atribuída. Essa simbolização traduz as manifestações da cultura lúdica que emerge das construções acerca da brincadeira. Para Friedmann (2011, p. 80) nas “Culturas infantis instauram-se ideias, valores, costumes e conhecimentos transmitidos por meio das linguagens verbais e não verbais”. Essas relações de linguagem caracterizam culturalmente as manifestações lúdicas das crianças, corporificando o conteúdo das brincadeiras. Nesse sentido, compreender como se dão essas relações nos possibilita apreender sobre a cultura lúdica produzida.
Metodologia
O trabalho desenvolvido na Brinquedoteca tem como princípio metodológico estudos relacionados a pesquisa etnográfica com criança. Para construção do que denominamos de etnografia da brincadeira na relação com o espaço e o brinquedo, partimos da observação participante que nos permite partilhar das brincadeiras, que acontecem durante as visitas agendadas, cuja durabilidade é de duas horas. Essas visitas são realizadas em média, duas vezes na semana e registra uma demanda de 30 a sessenta crianças por visita, que nos possibilita, a partir do número de agendamentos, o atendimento de 120 a 400 crianças por mês. A formação dos grupos quanto à faixa etária diferencia-se de acordo com as escolas. Durante essas visitas realizamos observações e posteriormente suas descrições. Todo o processo de observação está voltado para os modos de brincar das crianças, sua forma de reorganização dos ambientes, bem como a sua reinvenção na relação com os brinquedos. Utilizamos ainda, como instrumentos de pesquisa a videogravação e o registro fotográfico.
O espaço possui oito ambientes, a saber: o ateliê, a oficina de brinquedo a sala de leitura e jogos, o salão de faz-de-conta e brinquedos da cultura popular, a sala de movimento e imaginação, a sala de experimentações narrativas, a casinha na árvore e o gramado localizado na área externa. Os ambientes estão organizados, de forma a proporcionar as crianças o encontro com brinquedos que as estimulam a imaginarem e experimentarem possibilidades de criação diversas. Nesses momentos de experimentação, essas crianças, no encontro entre seus pares, organizam suas brincadeiras produzindo seus jogos que traduzem, entre outros aspectos, invenção e reinvenção da cultura vivida.
Resultados
As visitas realizadas à brinquedoteca nos possibilitam observar que a relação das crianças com os brinquedos acontece de modo diferenciado. Identificamos que durante as visitas, um mesmo brinquedo pode ser utilizado de diferentes maneiras, bem como objetos dispostos assumem a sua forma traduzindo a criação permanente de novos brinquedos.
Partindo dessa relação entre a criança e o brinquedo, podemos afirmar que a brinquedoteca é um espaço de manifestação da cultura lúdica infantil, que é produzida a partir do jogo, ação pela qual as crianças dão novos significados aos brinquedos, reinventando seus cotidianos e criando outros mundos na brincadeira. Essa relação de invenção e reinvenção apontamos como o elemento central na constituição das culturas lúdicas infantis. A compreensão dessa relação tem nos permitido aproximar cada vez mais, o espaço da Brinquedoteca, das brincadeiras produzidas pelas crianças. Esse fato vem redefinindo para os nossos estudos no laboratório, a perspectiva de nossas proposições e contribuindo para a compreensão do brincar na infância a partir da própria ação brincante das crianças.
Referências
BROUGÉRE, Gilles. A criança e a cultura lúdica. In: KISHIMOTO, Tizuko Mochida (org.). O brincar e suas teorias. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 19 – 32.
FRIEDMANN, Adriana. Paisagens infantis: uma incursão pelas naturezas, linguagens e culturas das crianças. 2011. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC-SP.
MARCHI, Rita de Cássia. Pesquisa etnográfica com crianças: participação, voz e ética. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, 728 p. 727-746, abr./jun. 2018.
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