Introdução
Iniciamos apresentando o questionamento que nos motivou às reflexões produzidas neste artigo: como aproximar a matemática acadêmica da matemática escolar? Essa pergunta pode parecer um tanto complexa, inclusive, pelo fato de ser comum ouvirmos algumas reclamações sobre o distanciamento da matemática que se aprende no curso de licenciatura com aquela que será efetivamente necessária à prática docente na Educação Básica (MARCONDES, 2014). Estamos considerando aqui, uma mesma matemática, em diferentes níveis. Um exemplo que nos interessa destacar é o conceito de divisibilidade associado a congruência modular. As ideias iniciais de divisão, são desenvolvidas desde os anos iniciais do ensino fundamental, no trabalho de repartir e formar grupos e formalizadas no sexto ano. Enquanto a congruência modular, é discutida na disciplina de álgebra e teoria dos números, na licenciatura.
Quando pensamos no questionamento apresentado, surgiu a ideia de investigar com professores, recém-formados, já atuando na Educação Básica, se percebiam e estabeleciam relação entre os conteúdos estudados no Ensino Superior com aqueles ensinados na Educação Básica. Um questionário foi enviado para 52 sujeitos. Destes, recebemos dez respostas e seis deles responderam não estabelecer nenhuma relação, enquanto que os outros quatro, especificaram que é possível associar quando ensinam conteúdos como conjuntos numéricos, análise combinatória, polinômios, progressão geométrica etc., e apenas um relacionou com os conceitos de divisibilidade.
Assim, consideramos que esse resultado também vem justificar a proposta desta investigação, no qual pretendemos apresentar uma possibilidade de aproximação entre a matemática acadêmica e a matemática escolar, a partir de algumas relações estabelecidas entre os conceitos de divisibilidade e congruência modular, sob o auxílio de um recurso matemático, o jogo Bingo do Resto.
Por se tratar de um estudo teórico, apresentaremos, nas próximas seções, as fundamentações que nos embasaram e discussões que foram produzidas.
1. O uso de materiais manipuláveis e jogos como recursos de ensino
A matemática está presente em situações do cotidiano. Por isso, é importante que o professor provoque, em seus alunos, o interesse para esta disciplina, mobilizando os saberes aprendidos na universidade, em linguagem apropriada a cada nível de ensino. Entendemos que o uso de materiais manipuláveis são facilitadores da aprendizagem, pois, por meio desses, os alunos podem experimentar os conhecimentos abstratos em situações concretas. Tal como destaca Lorenzato (2012, p. 4) “[...] a ação do indivíduo sobre o objeto é básica para a aprendizagem”, ressaltando “[...] um antigo provérbio chinês, que diz: “se ouço, esqueço; se vejo, lembro; se faço, compreendo”, o que é confirmado plenamente pela experiência de todos, especialmente daqueles que estão em sala de aula” (LORENZATO, 2012, p. 5).
Outra ferramenta que pode tornar a matemática mais atrativa aos olhos dos alunos, de acordo Smole, Diniz e Cândido (2007), é o uso dos jogos como recurso metodológico, tendo em vista seu potencial para o ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
Os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas, pois permitem que estes sejam apresentados de modo atrativo e favoreça a criatividade na elaboração de estratégias de resolução e busca de soluções. Propiciam a simulação de situações-problema que exigem soluções vivas e imediatas, o que estimula o planejamento das ações (BRASIL, 1998, p. 46).
O uso de jogos como metodologia de ensino de matemática, também é enfatizado pelo Currículo Básico da Escola Estadual do Espírito Santo (2009), ao orientar o uso de jogos como recurso didático, capaz de desenvolver no aluno a capacidade de reconhecer dados, identificar regras, procurar estratégias e empregar analogias.
2. A construção dos conceitos de divisão e congruência modular a partir do Jogo Bingo do Resto
A divisão é uma das quatro operações aritméticas tradicionais que a criança aprende na escola, tal operação consiste no ato de repartir algo em partes iguais. Durante o desenvolvimento deste conceito, geralmente, fazemos uso do algoritmo da divisão de Euclides, definido da seguinte forma (adaptado de SCHEINERMAN, 2009, p. 279):
Definição 1: Sejam n, d ? Z com d > 0. Então, existem inteiros q e r tais que n = q.d + r, com 0 ? r < |d|. Além disso, existe um único par de tais inteiros (q, r) que satisfaz essas condições.
Ao efetuar a divisão entre dois números[1] duas situações podem ser verificadas: a) a divisão ser exata[2] e, portanto, com resto zero ou, b) a divisão não ser exata e apresentar resto diferente de zero. Podemos perceber que, se a divisão é exata, não há o que se discutir a respeito do resto, agora, se a divisão não é exata, podemos aprofundar o estudo sobre os possíveis restos. É neste momento que consideramos possível introduzir a noção de congruência (HEFEZ, 2005, p. 110):
Definição 2: Seja m um número natural diferente de zero. Diremos que dois números naturais a e b são congruentes módulo m se os restos de sua divisão euclidiana por m são iguais. Quando a e b são congruentes módulo m, escreve-se: a ? b mod m.
Entendemos que é possível articular esses dois conceitos e sugerimos uma proposta para esta articulação com o auxílio do material didático intitulado “bingo do resto”. Este jogo foi proposto no livro Cadernos do Mathema: jogos de matemática (1º ao 5º ano), publicado em 2007, pelas autoras Smole, Diniz e Cândido. Trata-se de um jogo de cartelas para trabalhar com a operação de divisão, desafiando os alunos a organizarem os “cálculos matemáticos” realizados durante o jogo, além de proporcionar o desenvolvimento do cálculo mental, habilidade essa enfatizada pela base nacional comum curricular (2018). Cabe ao professor mediar esse processo e promover questionamentos que instiguem a apropriação desses conceitos.
Conclusões
Nesta pesquisa, buscamos oportunizar, uma reflexão sobre o ensino de matemática em ambos os ambientes de produção do conhecimento: Escola de Educação Básica e Instituição de Educação Superior, com o intuito de respondermos a nossas inquietações acerca das possibilidades de articulação entre a matemática do ensino superior com a matemática da educação básica, mais precisamente no que tange ao ensino de congruências (como matemática acadêmica), e os conceitos de divisibilidade (como matemática escolar). A partir das discussões estabelecidas entre a teoria estudada na universidade e a aplicabilidade na Educação Básica, constatamos que é possível articular esses saberes, tornando a aprendizagem matemática mais “rica” em significados.
Principais referências bibliográficas
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, v. 3. Brasília: MEC/SEF, 1998.
HEFEZ, A. Elementos de Aritmética. Rio de Janeiro: SBM, 2005.
LORENZATO, S. (Org.). O Laboratório de Ensino de Matemática na Formação de Professores. Campinas-SP, Autores Associados. 3. ed. 2012.
MARCONDES, I. M. Formação de professores e trabalho docente no Brasil: contexto, questões e desafios na atualidade. In: FLORES, M. A. (Org.). Formação e Desenvolvimento profissional de Professores: contributos Internacionais. Portugal: Almedina, 2014. p. 153-170.
SGHEINERMAN, E. R. Matemática discreta: uma introdução. São Paulo: Cengage Learning, 2009.
SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I.; CÂNDIDO, P. Cadernos do Mathema: Ensino Fundamental: Jogos de Matemática de 1° a 5° ano. Artmed Editora, 2007.
[1]Estamos aqui, nos restringindo ao conjunto dos números inteiros.
[2] Quando a divisão de um número inteiro a por outro b é exata, dizemos que a divide b (a|b), ou seja, a é um divisor de b, ou ainda, b é um múltiplo de a (HEFEZ, 2005).
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Elcio Pasolini Milli - SEDU – ES
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Elemilson Barbosa Caçandre - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
Ellen Kênia Fraga Coelho - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
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João Lucas De Oliveira - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
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Júlia Schaetzle Wrobel - UFES – campus Vitória
Marcela Aguiar Barbosa - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
Maria Laucinéia Carari - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
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Ronei Sandro Vieira - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
Rubia Carla Pereira - Ifes campus Viana
Simoni Cristina Arcanjo - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
Thiarla Xavier Dal-Cin Zanon - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
Wanielle Silva Volpato - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim
Weverthon Lobo de Oliveira - Ifes campus Cachoeiro de Itapemirim